Por Tania Zapata
O humanismo como filosofia apregoa que o ser humano desenvolva as virtualidades nele contidas, suas forças criadoras e a vida da razão, e trabalhe para fazer das forças do mundo físico instrumento de sua liberdade, buscando a harmonia entre seu desenvolvimento e o equilíbrio da natureza.
O humanismo é inseparável da cultura. A cultura é a expansão da vida propriamente humana: desenvolvimento material, moral, das atividades especulativas eartísticas.
O homem clássico, superado pelo aparecimento da renascença, estava marcado nos horizontes de um mundo estático em perfeita harmonia consigo mesmo. O homem individualista da renascença, que se prolongou até o século XX, revolta-se contra essa visão, pretendendo ser -ele mesmo - o centro de referência do universo. È com o desabrochar do homem planetário que o conceito de pessoa vai ter um profundo enriquecimento (interiorização crescente e generosidade).
Nessa dialética de interiorização e doação, sobrepondo os limites da pessoa, deveremos construir a comunidade local e planetária. Refazer a renascença. O mundo cósmico deu lugar à visão antropológica do universo. A fatalidade do
mundo grego é substituída pela força da criatividade humana. Assumir a História com compromisso social, superando os egoísmos eindividualismos.
O ser humano não pode ser um solitário do cosmos. A interconexão entre as pessoas é a face material da expansão da consciência. Felizmente, nosso futuro não é uma fatalidade cega. Pelo contrário, está entregue à nossa responsabilidade e à nossa inteligência.
Quando falamos em desenvolvimento humano, o que consideramos que está subjacente?
Trata-se de um conceito, de valores, de uma estratégia, de um processo e de uma intencionalidade. Envolve as dimensões econômica, social, político-institucional, cultural, tecnológica, ambiental e espiritual. Contempla uma compreensão sistêmica da realidade, bem como a importância, muito relevante nos tempos de hoje, da existência da boa governança. Ou seja, da confiança entre os atores, do funcionamento de instituições sérias, do exercício do controle social pelos cidadãos e cidadãs, da capacidade de pactuação de atores e da construção da visão de futuro de uma sociedade.
O desenvolvimento deve ter o ser humano como centralidade. Deve ser pelas pessoas, tendo as pessoas como sujeitos do processo: 'das pessoas' quer dizer oportunizar para que se possam emergir suas potencialidades e capacidades; e 'para as pessoas' significa que a finalidade precípua do desenvolvimento é beneficiar as pessoas, criar qualidade de vida e de realização humana.
Em 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) introduziu universalmente esse novo conceito sobre o desenvolvimento das nações: o desenvolvimento humano sustentável. Trata-se de um enfoque inovador que se apresenta como alternativa à visão mais tradicional e estritamente econômica. Essa abordagem põe uma agenda diferente
para os organismos internacionais, os governos, a sociedade civil e também para os agentes do mercado. E passa a ser também um sinalizador para as políticas públicas e um convite a uma ação efetivamente voltada para a transformação
do padrão de vida dos povos e para a superação da pobreza e das desigualdades sociais.
Desenvolvimento humano, no sentido mais amplo, pode ser definido como o processo que assegura a ampliação do leque de opções e oportunidades das pessoas. Dentro desse espectro,como afirma o PNUD, três opções básicas devem estar
presentes e são condições para as demais:
a) desfrutar uma vida longa e saudável;
b)adquirir conhecimentos e;
c) ter acesso aosrecursos necessários a um padrão de vida decente.
O crescimento econômico não é o objetivo último do desenvolvimento e nem assegura, por si só, a melhoria da qualidade de vida das pessoas. O crescimento é condição necessária. A produtividade é componente essencial, mas não é suficiente.
Assim sendo, o importante não é apenas o nível de expansão das atividades produtivas, mas sua natureza e qualidade. O
fundamento real do desenvolvimento humano é o universalismo do direito à vida. O paradigma do desenvolvimento humano sustentável é o dos valores da própria vida humana.
Citando o relatório do PNUD, 'o universalismo dos direitos da vida é o fio condutor comum,que une a busca do desenvolvimento humano, com as exigências do amanhã, especialmente com a necessidade de preservação e regeneração do meio ambiente para o futuro. Há uma necessidade ética de se garantir às gerações futuras oportunidades iguais às que gerações anteriores desfrutaram.
Assim, desenvolvimento e sustentabilidade são componentes essenciais da mesma ética do universalismo dos direitos da vida, a qual exige também equidade para com a geração atual e as futuras.
Esse conceito defende e promove a adoção de políticas públicas que consideram as pessoas - e não a acumulação de riquezas - o propósito final do desenvolvimento. Transformar, assim, crescimento econômico em bem-estar para a população é o grande desafio para os diversospaíses da comunidade internacional, buscando a redução das desigualdades existentes nas
sociedades nacionais e entre estas. O desenvolvimento humano, segundo o novo paradigma das Nações Unidas, contempla:
•Desenvolvimento das pessoas, por meio da ampliação das capacidades, oportunidades, potencialidades criativas e direitos de escolhas individuais;
• Desenvolvimento para as pessoas, levando a que a riqueza produzida por uma nação seja apropriada equitativamente por seus membros;
• Desenvolvimento pelas pessoas, através da participação ativa dos indivíduos e das comunidades, na definição do processo de desenvolvimento do qual são, ao mesmo tempo, sujeitos e beneficiários. Na sociedade informacional e global, a nova noção de progresso consiste, principalmente, em assegurar os bens públicos globais, ou seja, a paz, a segurança, o desenvolvimento, a sustentabilidade e os direitos humanos. A ética é uma exigência da sobrevivência e do desenvolvimento da espécie humana, uma dimensão-chave de nossa cultura, que envolve os crentes e não crentes. O fundamento da ética não se encontra na relação do ser humano com Deus, mas com o seu próximo. É inconcebível a vidasocial sem valores e normas éticas.
A integração global provocou uma profunda interdependência e ligação entre os países, por meio do comércio, das tecnologias e dos investimentos. No entanto, em nível de desenvolvimento humano - o que implica no acesso a uma melhor qualidade de vida a todos os cidadãos e cidadãs - o espaço entre os países é assinalado por profundas desigualdades.
Um quinto da humanidade vive em países nos quais se gasta dois dólares por um café e outro quinto vive com menos de um dólar por dia. Trata-se de um verdadeiro apartheid. No início do terceiro milênio, vivemos assim num mundo dividido. Desigualdades entre países e regiões. Desigualdades de renda, de raça, de gênero e de oportunidades de realização.
Ideologias que apregoam maniqueísmos, reducionismos e determinismos. Fundamentalismos e preconceitos. Vencer tudo isso é o desafio da com unidade humana global. Felizmente, para que não nos deixemos levar pelo desencanto e pela apatia, os processos sociais são abertos à intervenção humana. Lutar pela eliminação da pobreza absoluta e redução
da desigualdade na distribuição das oportunidades de desenvolvimento humano deve ser prioridade das políticas públicas. Uma questão crucial dos direitos humanos. Nos países ricos e nos países pobres, as gerações futuras pagarão um elevado preço pelos fracassos da s lideranças políticas mundiais deste início de milênio. Trata-se do interesse de toda a humanidade.
Entramos em um tempo histórico novo de complexidades, interdependências e mudanças sem precedentes. O desenvolvimento depende da geração de uma capacidade social de aprendizagem de novas formas e competências de ação
coletiva. Cada geração vai ter sua responsabilidade na reconstrução incessante de nossa História humana. O desenvolvimento humano passa por um projeto de mudança institucional e ética. É preciso reinventar a políticae revalorizá-la como ação necessária de cada um no interesse de todos. Esse será um novo caminho de aprendizagem para a construção de instit ucionalidades estimuladoras de comportamentos organizativos solidários e eficientes.
A globalização não terá futuro se não for projetada para incluir a todos e todas, para ser ecologicamente sustentável e para respeitar os direitos e valores humanos. Remodelar a globalização contempla definir suas dimensões éticas. Nós pertencemos a duas grandes comunidades, como afirma Capra: somos membros da raça humana e fazemos parte da biosfera global. A característica marcante da nossa casa terra é a sua capacidade intrínseca de sustentar a vida. A comunidade sustentável será aquela na qual os modos de vida, a economia, as estruturas físicas e as tecnologias não se oponham à capacidad
e intrínseca da natureza de sustentar a vida. Os valores da dignidade humana e da sustentabilidade ecológica devem se constituir na base ética do projeto de remodelar a globalização.
No nosso mundo interconectado, um futuro construído sobre as bases da pobreza no meio da abundância é, do ponto de vista econômico, uma ineficiência, além de politicamente insustentável e moralmente indefensável. Hoje já existe um consenso sobre a importância do funcionamento das instituições para o crescimento econômico, a redução da pobreza, a superação das desigualdades e a coesão social.
As ciências sociais manejam diferentes conceitos de instituições. Não se trata de algo simples. Para a teoria do desenvolvimento, instituições são as regras do jogo formais e informais que pautam a interação entre os indivíduos e as organizações. São o marco dos incentivos e limites em que se produz a interação social. Apóiam-se em nossos modelos mentais, valorativos e atitudinais. O sentido comum, as evidências empíricas e os estudos teóricos mais recentes avalizam a relevância das instituições para o desenvolvimento. A sociedade e os juristas clássicos entenderam, desde muito tempo, e
ssa importância.
É lógico que, segundo sejam as regras do jogo, existirá maior ou menor mobilidade nas posições. Tudo isso vai incentivar comportamentos mais individuais ou coletivos, mais ou menos empreendedores, inovadores e eticamente corretos, e também desempenhos sociais mais ou menos inclusivos, eficientes, equitativos e sustentáveis.
Melhorar a qualidade das instituições é um desafio inesquivável para as políticas de desenvolvimento no Brasil. Além das evidências empíricas, vários estudos de organismos internacionais - a exemplo da Cepal e do PNUD - apontam para a relação positiva entre o desenvolvimento institucional, a boa governança, a confiança entre os atores e a manutenção
da estabilidade econômica e do crescimento. E também na tendência de redução da pobreza e da desigualdade social.
Essas mudanças institucionais contemplam as regras estruturantes da ação coletiva, os modelos mentais, as atitudes e os equilíbrios de poder. Isso resulta de um processo de aprendizagem social, são complexas e não acontecem por um mero voluntarismo político ou um decreto. Consolidar a democracia não equivale a defender caudilhismos, ou poderes
baseados em clientelismo e patrimonialismo. Exige construir um sistema de representação e participação política que permita o máximo de intercâmbios entre o máximo de atores.
A política e a economia estão intrinsecamente relacionadas e não se pode explicar o desempenho econômico de uma sociedade sem considerar esta relação.
Precisamos pensar na redefinição de instituições públicas que articulem o Estado e a sociedade civil, de forma legítima, representativa e propositiva. Trata-se de um fenômeno complexo. O desenvolvimento sustentável depende da existência de instituições políticas que facilitem uma efetiva representação e permitam o controle social dos políticos e governantes.
O reconhecimento renovado do valor da política para o desenvolvimento nos remete à nossa liberdade e responsabilidade pela História, e, em conseqüência, da importância dos valores e preferências morais de uma sociedade.
Temos que entusiasmar a sociedade e mobilizá-la. Entusiasmo articulado com uma vontade e uma ação inteligentes, e uma riqueza criativa de iniciativas concretas que modifiquem a realidade existente. É a revolução neolítica do terceiro milênio. Da economia informacional e da sociedade do conhecimento. Da nova compreensão da visão holística, sistêmica e complexa para a apreensão dos fenômenos sociológicos e antropológicos. Em busca da construção do desenvolvimento humano sustentável.
A emergência da globalização nesta nova ordem mundial nos obriga a buscar um paradigma espiritual adequado, uma espiritualidade universal que transcenda diferenças superficiais e que exprima a capacidade de assumirmos nosso destin
o humano em harmonia com o conjunto da criação. O conceito de espírito humano, entendido como o modo de consciência pelo qual o indivíduo se sente vinculado ao cosmo como um todo, torna a consciência ecológica como algo verdadeiramente espiritual.
A espiritualidade se fundamenta na interdependência da espécie humana e insiste no fato de que ninguém pode se completar pessoalmente em detrimento de seus semelhantes. A espiritualidade é também compreendida como um modo de ser que decorre de uma profunda consciência e experiência da realidade. São momentos de vitalidade intensificada. É uma experiência em que a mente e o corpo estão vivos numa unidade. O eu e o mundo. Essa sensação de unidade com o cosmos é confirmada pela nova concepção científica da vida, que contempla dinâmicas não lineares ou teoria da complexidade, como fundamento do novo paradigma capaz de ampliar os horizontes de explicação científica, tanto nas ciências físicas e biológicas como nas ciências sociais.
A tarefa fundamental da espiritualidade é formar e responsabilizar as pessoas para que elas possam viver com dignidade e realizar o seu projeto de vida, com generosidade e espírito de solidariedade. O ser humano é muito mais de que um mero consumidor de bens. Um ser humano é ao mesmo tempo um fenômeno físico e metafísico. Essa sensação de vazio, de
frustração, de superficialidade, ameaça nosso horizonte existencial. A espiritualidade é a nossa relação com nosso mundo interior, em busca do autoconhecimento. É a nossa relação com o outro, baseada na compreensão, na escuta dialógica, no sair de si para buscar servir, e também é uma busca permanente de interação harmoniosa com a nossa Mãe 'Gaia' Terra. É
deixar de ser indivíduo e tornar-se pessoa, saindo do egocentrismo infantil para a construção de relações mais generosas. É também acreditar no mistério e no encantamento.
A espiritualidade é a consciência de que somos nós os construtores de uma vida e de um mundo melhor. A integração de nosso corpo com nossa mente e nosso espírito, na relação com a vida e a natureza, é a fonte da paz, da compacência e da expansão das consciências. É o que nos energiza para o amor adulto e para a construção das utopias! Somos de um período
do espírito humano.
A História é a aventura da consciência. Temos o destino de ser globais. A partir de um território identitário, somos um camin
hante planetário participante da inteligência coletiva da espécie.Ainda comungando com a afirmação de Lévy, precisamo
s ativar os territórios noolíticos eutilizar as possibilidades do ciberespaço como o lócus de meditação coletiva do espírito
humano. O pensamento e a ação não podem estar separados. A história do ser humano é uma história de ir sempre mais longe. Em busca de sua superação, de construir uma nova utopia.
Somos seres de respostas. Temos que ser consciência s exigentes e engajadas. O apelo à realização plena das pessoas não se separa do apelo da humanidade. A existência pessoal é sempre uma disputa dialética de um movimento de exteriorização e de um movimento de interiorização. Ambos essenciais. Nascemos indivíduos e nos tornamos pessoas pela capacidade de chegar até o outro.A consciência é um caminho aberto. A história humana é um esforço desconcertante da inteligência e da ação das pessoas. É possível, sim , caminhar teleologicamente para a nova agenda do desenvolvimento humano. Isso não exclui a existência dos conflitos, que são os motores da mudança social. A filosofia da esperança é a que nos faz mais humanos. Os seres humanos fazem progressivamente a humanidade, num tenso movimento interno pela transcendência. Em direção a ser mais. Em busca de um novo ser! De um novo horizonte civilizatório!
Realizar a comunicação das consciências e a busca da compreensão universal, eis o desafio de nossa era! A era do espírito, da cooperação, da valorização da diversidade, do diálogo multicultural, da radicalidade da democracia como valor intrínseco, da importância singular do capital intangível e simbólico. Precisamos urgentemente de uma reinvenção da política, como responsabilidade compartilhada entre todos e todas, se quisermos construir uma nova agenda. Necessitamos estimular uma cidadania ativa, que impulsione as reformas necessárias para o desenvolvimento democrático renovado. A globalização pode representar uma chance para a humanidade, se for posta a serviço da pessoa humana. Talvez assim possa vir a ser o novo
nome do desenvolvimento. Mantidas as atuais desigualdades, as injustiças se perpetuarão para as gerações vindouras. Mundialmente, o desenvolvimento humano sustentável requer uma nova ética global. O conceito de sustentabilidade não pode ser real num mundo em que 1/4 é rico e 3/4 são pobres.
O conceito de planeta humano não pode emergir de um mundo tão desigual. Eis o grandedesafio que temos pela frente! Vamos, assim, como seres de esperança, delinear e construir novos meta-horizontes! E, sobretudo, agir, com uma
convincente postura, com o paradigma da reconciliação da ciência e do espírito humano, dialogando pró-ativamente com um futuro mais sustentável que queremos que seja iniciado agora, no presente.
Não por acaso, esse será o grande movimento positivo mobilizador da mudança social. A grande aventura da consciência e da ação humana nesse milênio. Temos que ter pressa e paciência histórica. Temos que mobilizar nossas energias: atores, agentes, organizações e redes. Estimular as sinergias!
A aventura humana mais do que nunca é, sem dúvida,ao mesmo tempo fascinante e instigante!