Falsa contradição

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AO FINAL do primeiro semestre deste ano, ficou clara a deterioração das condições do mercado de trabalho brasileiro:

• Encolhimento (-0,73%) da população ocupada (número de pessoas que encontraram uma oportunidade no mercado de trabalho, seja formal ou informal);

• Aumento (6,7%) da taxa de desocupação (fração da força de trabalho que está procurando uma oportunidade no mercado de trabalho, mas ainda não encontrou);

• Queda (-2,0%) do rendimento médio real das famílias.

Essa dinâmica tem sido fortemente influenciada pela grave crise da indústria nacional e pela retração do setor de serviços. Já no setor agropecuário, o mercado de trabalho tem apresentado um comportamento distinto: enquanto a taxa de desocupação aumenta, tal qual no restante da economia, o rendimento médio tem crescido mais intensamente do que nos demais setores econômicos. À primeira vista, isso pode parecer uma contradição, mas, na verdade, não há qualquer contradição nesses números.

O mercado de trabalho no setor agropecuário

Por muito tempo, não foi possível acompanhar adequadamente a evolução do mercado de trabalho no setor agropecuário, pois a principal pesquisa sobre emprego e desemprego do IBGE, a Pesquisa Mensal do Emprego (PME), coleta dados somente em seis Regiões Metropolitanas, onde as atividades agropecuárias têm uma participação pequena no PIB.

Essa situação mudou a partir da divulgação de uma nova pesquisa, também do IBGE, sobre o mercado de trabalho brasileiro: a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, que conta com informações de aproximadamente 3.500 municípios, ou seja, seus números são representativos para todas as Unidades da Federação (interior e Regiões Metropolitanas).

Mercado de trabalho no setor agropecuário

Mercado de trabalho aquecido

Embora as séries históricas da PNAD Contínua sejam curtas (não há números anteriores a 2012), já é possível observar algumas tendências:

• O setor agropecuário tem absorvido uma quantidade cada vez menor da mão de obra. Enquanto, no primeiro trimestre de 2012, o setor respondia por 11,7% de toda a população ocupada, ao final do primeiro trimestre de 2015, apenas 10,4% da mão de obra estavam ocupados nas atividades agropecuárias.

• Desde 2012, a população ocupada no setor tem encolhido 2,5% a.a. Isso significa que, desde aquele ano, as atividades agropecuárias têm sido o setor que mais tem retraído a contratação de mão de obra. Por exemplo, apesar de a crise ter se intensificado neste ano, o encolhimento da demanda por mão de obra no setor (-1,5%) só não foi menor do que nos setores de Construção Civil (-5,7%) e Administração Pública, Defesa e Seguridade Social (-9,4%).

• Por fim, apesar da redução da contratação de mão de obra, desde 2012, o ritmo médio de expansão dos rendimentos da população ocupada nas atividades agropecuárias (3,7% a.a.) foi o maior registrado entre todos os setores e subsetores econômicos monitorados pela PNAD Contínua.

Por que os salários sobem?

Os salários – na verdade, o rendimento médio – no setor agropecuário têm crescido acima da média observada no restante da economia por dois fatores:

• A crise da economia brasileira tem sido menos intensa na maior parte do interior do País, de forma que o setor de serviços – setor que mais emprega na economia – nessas regiões permaneça relativamente mais aquecido do que nas Regiões Metropolitanas.

• O setor agropecuário continua buscando maior produtividade via incorporação de tecnologia, o que libera mão de obra menos qualificada e demanda profissionais mais especializados, cujos salários são mais altos, contribuindo para elevar o rendimento médio no setor.

Por que a população ocupada tem encolhido?

A população ocupada no setor agropecuário tem encolhido porque a mão de obra tem ficado cada vez mais cara. Como os preços dos demais custos de produção (frete, energia elétrica, óleo diesel etc.) também têm subido, a margem dos produtores tem se estreitado, limitando sua capacidade de acompanhar a subida dos salários. Como solução, os produtores têm investido em tecnologias mais intensivas em capital do que em trabalho; tais tecnologias, por sua vez, demandam um volume menor de mão de obra, porém mais qualificada. Com isso, observa-se, por um lado, uma redução da população ocupada no setor e, por outro, um aumento na contratação de trabalhadores formais e um aumento do salário médio pago.

Antes de encerrar, é importante deixar claro que toda esta análise refere-se exclusivamente às atividades agropecuárias, e não ao agronegócio como um todo. Infelizmente, pelos números disponíveis na PNAD Contínua, ainda não é possível avaliar a dinâmica do mercado de trabalho nas agroindústrias, nem nas indústrias produtoras de insumos e maquinário

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Entrevista com Felippe Serigati
Entrevista com Felippe Serigati
Felippe Serigati
Felippe Serigati

Felippe Serigati

Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (2005), mestrado em Economia de Empresas pela Fundação Getulio Vargas - SP (2008) e doutorado em Economia de Empresas pela Fundação Getulio Vargas - SP (2013). Atualmente é professor da Fundação Getulio Vargas - SP e pesquisador da Fundação Getulio Vargas - SP. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Agrária

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