Você já ouviu falar do termo MUNDO VUCA?
Trata-se de um acrônimo (em inglês) utilizado para se referir ao perfil do mundo atual:
V – Volatile (volátil), U – Uncertain (incerto), C – Complex (complex) , A – Ambiguous (ambíguo).
Tem gente que já complementa esse termo, dizendo que é o MUNDO MUVUCA (parece uma piadinha, mas não é... basta adicionar o conceito M – Meaningful (significativo) e U – Universal).
Neste cenário, o trabalho apresenta-se em transformação acelerada, enquanto modelos econômicos e políticos são questionados como base da sociedade que se (re)desenha.
O repórter Edson Aran conversou comigo, Daniele Yoko Taminato e Antonio Brasilianopara a Folha de São Paulo (artigo no final do texto!), e trouxe uma visão interessante (e incômoda) sobre o tema, já aquecendo a discussão com a pergunta:
O grande X da questão é que o sistema evolutivo realmente elimina empregos – porque esse tipo de contrato formal se baseia na simplificação da relação de trabalho, como se fosse possível definir - de verdade - uma descrição de cargo legítima e que coubesse em um mundo onde a mudança e a imprevisibilidade são as únicas constantes nos negócios. Nesse modelo (emprego), as pessoas trabalham sempre mais ou menos do que foi o combinado – nunca haverá um casamento ideal. (Aliás, o casamento, assim como os empregos, também vai mudar muuuuuuito.)
Um dos pontos principais da discussão é a velocidade da transformação. E aqui entra o conceito de DISRUPÇÃO (palavra da moda, utilizada de forma inadequada 9 vezes a cada 10 citações).
Enquanto a evolução nos dá dicas e sinais sobre a direção para onde caminhamos, a disrupção está sempre ligada ao término de uma relação, método ou modelo anteriores.
Essa definição é a minha favorita:
O modelo de disrupção é, de certa forma, a antítese da evolução. No processo evolutivo, uma ameba se arrasta da sopa primordial e acaba virando o Homo Sapiens. No processo disruptivo, um alienígena chega ao planeta, elimina o Homo Sapiens e vira o dono da coisa toda.
Quando a palavra está bem aplicada, significa que um segmento de mercado sofreu uma mudança intensa e que, muito provavelmente, não terá retorno e deixará sequelas – os exemplos clássicos são os modelos de negócio do Uber e Netflix. Portanto, haverá necessidade de adaptação nas relações que se seguirão.
E, talvez, estejamos usando tanto a palavra disrupção, porque não estamos enxergando o que está acontecendo... estamos tapando o sol com a peneira.
Ao meu ver, o conceito VUCA nas relações de trabalho se acentua com a humanização das organizações. Oi? Como assim? Me explico: o ser humano sempre foi volátil, incerto, complexo e ambíguo. No entanto, por décadas, nós fizemos de conta que tínhamos controle e passamos zilhares de horas fingindo estar trabalhando o tempo todo. (Há estudos que indicam que as pessoas são produtivas menos de 4 horas por dia!! O.O!
Ou seja, o modelo “comando e controle – faz de conta – me engana que eu gosto” tem que acabar.
Isso se reflete diretamente nos modelos de trabalho, na estrutura das organizações, no perfil da liderança e na compreensão da ação produtiva pelos trabalhadores.
Antigamente, na população ativa, tínhamos dois tipos de pessoa: empregada (que recebia os rótulos: útil, trabalhadora, batalhadora, esforçada, produtiva) e desempregada (também conhecida como: coitada, sem sorte ou vagabunda). Essa era uma época de certezas (falsas) de que o emprego trazia garantias.
Atualmente, há diversos modelos para formalizar uma relação de trabalho e devemos falar sobre outra classificação de pessoas: ocupadas ou desocupadas. Aliás, nós todos conhecemos indivíduos que têm emprego e que são bem desocupados; bem como há pessoas que não possuem emprego, mas sempre estão ocupadas e se colocam em uma zona constante de produção.
Um cuidado essencial é não usar as características do mundo VUCA como uma muleta – do tipo “nossa... o mundo é muito complexo e incerto, então nem adianta mais fazer planejamento”, ou outra bobagem do tipo.
Na verdade, as formas de planejar, inovar, testar, mensurar e ajustar mudaram, mas essas atividades continuam mais importantes do que nunca. Então não vale se fazer de Horácio (João sem braço). É preciso encontrar e aplicar novas formas para realizar essas atividades, sempre com consistência, assertividade (sem ficar em cima do muro) e transparência. E isso, por si só, já é um desafio gigantesco nas organizações, pois expõe a vulnerabilidade que os líderes têm escondido embaixo dos carpetes modulares e das gavetas com chave dos escritórios.
É essencial adotar um modelo de liderança em equipe, com o suporte de líderes que tenham real interesse nas pessoas e sejam capazes de motivar e engajar uma equipe conectada e alerta para dar respostas muito rápidas nesse ambiente incerto.
Para que tudo isso funcione, seria necessário ter um estoque de talentos. No entanto, há mais de 5 anos, temos vivido um chamado “apagão de talentos” – termo bem comum nas rodas de RH para se referir à falta de pessoas qualificadas para trabalhar nesse ambiente complexo e dinâmico – principalmente, porque precisamos de pessoas maduras e com inteligência emocional.
Ou seja, de um lado há milhões de pessoas desempregadas, buscando uma oportunidade de trabalho e, de outro, há milhares de empresas com vagas abertas, mas que não encontram profissionais que atendam suas expectativas de contribuição...
As pessoas não estão preparadas para essa nova realidade. Mas as empresas que buscam essas pessoas estão? Será que não seria o caso de investir em desenvolvimento conjunto?
Apesar de parecer uma questão do tipo “ovo e galinha”, há um consenso de que temos um gigantesco buraco educacional. Não estamos preparando as pessoas para um mundo diferente. Estamos (mal e porcamente) oferecendo soluções antigas, em um formato capenga, replicando um currículo ultrapassado. Essa receita nos afasta de qualquer possibilidade positiva de termos um país mais produtivo e competitivo.
(Aliás, estão chegando as eleições e cada um de nós que tenha ficado um pouquinho incomodado com esse artigo tem o desafio de se comprometer em conhecer o perfil e propostas de candidatos que possam atuar na mudança do modelo atual – político e social).
O trabalho tem um papel essencial na vida do ser humano – atenção, eu não falei “o emprego”, falei o Trabalho. E, para ressaltar o significado distinto, vou escrever com letra maiúscula: Trabalho é a relação com a nossa capacidade produtiva, a forma como enxergamos a ação ao criar e ao interagir - potencialmente modificando - a natureza e o mundo em que nos encontramos. A ação é o meio pelo qual podemos mostrar quem somos.
O emprego apoia-se em uma relação de TER, enquanto o Trabalho se baseia em uma relação de SER. Até hoje, temos tido a tendência de nos apoiarmos apenas em um deles, sem buscar equilíbrio.
Sem dúvidas, no mundo VUCA, o Trabalho tem menos sentido de sobrevivência e mais sentido de expressão, mas não podemos ignorar que a extinção de muitos empregos vai causar um descompasso temporal entre o que podemos fazer e o que sabemos fazer.
Além do impacto financeiro, há um de impacto social e psicológico que nos afeta, por meio do nosso Trabalho. Enquanto não despertarmos para esses impactos, seguiremos enfrentando a rotina produtiva como quem vai para a forca e não enxergaremos as oportunidades de desenvolvimento, pois essas serão vistas como “mais trabalho... o que é que eu ganho com isso?... que saco...”
A única forma de mudar o descompasso e tentar tirar o atraso é por meio da ação conjunta das pessoas e das organizações (é, meus amigos... acho que não vai dar para esperar ação do governo não...).
Isso só vai ocorrer a partir de uma mudança rumo a um capitalismo mais consciente e inclusivo, com clareza do papel e compromisso das empresas em desenvolver as pessoas. E vice-versa. As pessoas também terão que mudar a visão que tem da organizações. Não é um lugar de receber. É um lugar para construir. Toda organização deve ser vista como uma plataforma para o desenvolvimento humano por meio do Trabalho.
Ao contrário do mundo VUCA, a lógica é bem simples: Se você não encontra pessoas preparadas, terá que prepara-las. Se você não encontra empresas transformadas, deve transforma-las.
Há quem diga que isso é utopia. E talvez seja... Para mim, a utopia é a linha do horizonte para onde devemos caminhar.