Houve um dia em que eu olhei pra mim e concluí: “Você é um bom líder! Parabéns!”
Alguns anos depois, eu tive uma conclusão bastante diferente: “Você é um bom companheiro de trabalho. Possivelmente um bom chefe. Mas não... você não é um bom líder!”.
A diferença?
- A experiência mais marcante da minha vida.
- A transformação mais radical.
- Aquele momento em que a vida esfrega a verdade na sua cara com o lado verde da esponja de lavar louça.
- Quando você ouve uma voz superior dizendo: "You know nothing, Jon Snow!"
Não de um.
Não de dois.
Mas de TRÊS bebês.
Trigêmeos! (Corre lá e toma uma água! Ou tequila shot;^)
Houve um dia em que eu olhei pra mim e concluí: “Você é um bom pai! Parabéns!”
Alguns anos depois, eu tive uma conclusão bastante diferente: “Você é um bom provedor. Possivelmente um bom mentor ético e moral. Mas não... você não é um bom pai!”.
A diferença?
- Eu finalmente me tornei humano.
- Compreendi e aceitei que eu não sei “tudo” e que há acolhimento na nossa vulnerabilidade. (Atenção! Não entenda – nem por um momento – que há lugar para comodismo e falta de ação!)
(Não importa o quanto busque se preparar...)
A liderança, assim como a paternidade, não é um status! É uma característica da relação que você constrói.
As duas parecem uma promoção. Mas você precisa preencher as funções do “cargo”. Não adianta só estar lá com o crachá!
Na verdade, liderança e paternidade só se concretizam totalmente quando você está disposto a ajudar as pessoas a trazerem o seu potencial produtivo para o mundo!
Ser pai me ensinou muito mais do que qualquer curso de desenvolvimento profissional, (incluindo MBA do ITA e curso de negócios na Warthon Business University.)
Aqui vão alguns aprendizados da paternidade para a liderança:
1) Ser INTERESSADO ao invés de ser INTERESSANTE
Essa é, sem dúvida, a lição principal.
A paternidade me mostrou, rapidamente, que eu faria o que fosse necessário para que aquelas pessoinhas pudessem se desenvolver da melhor maneira.
Inclusive, eu faria vozinha de tonto, pintaria minhas unhas, faria milhares de obras de arte de sucata, aprenderia a fazer stencil, dançaria bumba-meu-boi, mudaria o meu comportamento diante da necessidade de cada um - para ampliar o impacto da mensagem, me tornaria um exímio cabelereiro, voltaria a fazer bolos deliciosos como fazia com minha avó, participaria de muitas lutas e sessões de cócegas, me divertiria fazendo lição de casa (e resistira à tentação de corrigir o que estivesse errado) etc. etc. etc.
Em resumo, o seu papel nessa relação não é parecer melhor e sim ter o máximo impacto no desenvolvimento do outro. Pra isso, você deixa o ego de lado e investe de verdade em formas alternativas de interação, mesmo achando que não seriam a melhor solução pra você.
2) Você não está no CONTROLE
Você pode ter influência sobre os acontecimentos, mas jamais terá controle sobre o resultado final.
No fundo, isso também é libertador, porque você enxerga que não é responsável pela jornada dos outros. Você apenas é uma (das inúmeras) variáveis que formam o comportamento de uma pessoa.
Uma vez, na hora de dormir, meu filho gastou cerca de 20 minutos explicando para a mãe a teoria do Big Bang (a explosão que teria originado o universo). Mais ou menos assim:
“Mãe, você sabe como aconteceu o Big Bang? - Sei mais ou menos... – (ele seguiu com aquela energia maravilhosa das descobertas infantis) Mas você sabia que os primeiros gases originados forma A, B e C, que reagiram de uma certa forma, e resultaram em outras combinações de elementos e formações e aconteceu isso... e depois isso... e mais aquilo outro....”
Enquanto ele contava a parada toda, meu outro filho já estava ouvindo tudo ao lado da cama, com olhos arregalados e muito interessado!
Até que ele solta o seguinte comentário: “Nooooooossa!!! Como é que você aprendeu tudo isso??”. Ao que o primeiro respondeu: “Na escola, hoje, no vídeo que a professora passou na aula”.
Detalhe principal: eles estudavam NA MESMA CLASSE!!!! Hahahahaha.
Um absorveu tudo e o outro nem sabia o tema do vídeo!
3) O SEU jeito talvez não seja o MELHOR jeito (certamente não é o único!)
Na maioria das vezes, você ensina as pessoas a fazerem algo do jeito que você faz. Não porque você é o “sabe-tudo” e “rei da cocada preta” (tá bom, tem gente que acha que é mesmo)... A maioria faz isso porque quer facilitar o aprendizado.
No entanto, ao tentar cortar caminho com a sua solução, você impede (e abafa) a criatividade e desenvolvimento da outra pessoa.
Além disso, quando você insiste na sua ideia e no seu jeito, a outra pessoa começa a achar ineficiente buscar as próprias soluções. Torna-se mais fácil seguir uma ordem. (E você não quer isso para seus filhos, nem para suas equipes, né?)
Com meus filhos, aprendi que também era possível montar o quebra-cabeças de dentro pra fora e não, necessariamente, começando pelas bordas retas. Afinal, o objetivo é a diversão e não cumprir a tarefa e riscar outro item da lista... O.O
3) É possível RESPEITAR sem concordar
Normalmente, a gente consegue imaginar que as pessoas façam a mesma coisa que você faria (O QUE), de uma maneira diferente (COMO).
No entanto, aqui eu me refiro ao momento em que você não concorda mesmo com o QUÊ a pessoa escolheu fazer.
Esse é um exercício (muito!!) difícil, porque significa que você vai deixar a pessoa viver sua própria experiência, mesmo que você consiga antever um resultado negativo.
E torna-se ainda mais desafiador porque, potencialmente, a pessoa vai te pedir ajuda para remediar a situação (se você estiver certo na sua visão mediúnica – o que não acontece sempre, viu? Você se surpreende positivamente, às vezes - e isso é bom pro seu desenvolvimento!).
4) TOLERÂNCIA ao erro
De alguma forma, é uma extensão do item anterior.
Resolvi dar mais destaque para deixar claro que respeitar e ter tolerância ao erro não tem a ver com “afrouxar” os limites, ou adotar um certo conformismo. De forma alguma pode haver omissão nem frouxidão!
Os erros fazem parte do processo de aprendizagem e experimentação de todo ser humano.
Permitir que haja espaço para o erro e uma parceria na solução de problemas irá potencializar a criatividade, empreendedorismo e busca por alternativas (inclusive a criação de novos significados para as atividades.).
Mas omissão e superproteção vão incentivar comportamentos irresponsáveis e ausência de limites (principalmente sociais!).
5) Presença
O seu papel nessa relação é de ser adulto e ter força (estrutura psicológica). Não é ser super-homem, mas não pode entregar os pontos. Você aceitou esse papel!
“Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades.” (Augusto Comte - citado por Ben Parker, o tio Ben)
Mesmo quando estiver cansado e suas necessidades não estiverem atendidas, você precisa participar de uma forma fluída. Vale ser vulnerável, expor limites e construir uma forma conjunta de superação.
Em situações complicadas, talvez você não saiba o que fazer e decida não fazer nada. Péeeeeehhh. Chama-se tapar o sol com a peneira. Nessa relação de desenvolvimento isso não funciona. Busque alternativas!
Não vale fazer bico e pensar “ninguém olha por mim, não vou mais olhar por você.” (Conhece um chefe assim?)
A liderança e a paternidade demandam presença. Aliás, eu repito muitas vezes nas minhas palestras que a VIDA demanda presença. É muito fácil perder aprendizados, oportunidades de desenvolvimento e construção de relações, porque escolhemos nos distrair (o que chamo de anestesia mental – dar um pause na consciência produtiva).
Ah... e é importante ressaltar aqui que a presença não é psicológica, viu? É física mesmo!
Tem que ir nas festinhas. Nas reuniões. Saber o que está acontecendo nos treinamentos. Quem são os colegas principais. Fazer a reunião de feedback. Trabalhar um plano de desenvolvimento conjunto. (Tudo isso vale para filhos e para equipes. Não terceirize para a mãe. Nem para o RH)
Eu não sei se você é pai ou líder, mas sei que você é filho/a!!
Tenha gratidão. Não é tarefa fácil.
Independentemente da sua relação com seu pai e com seus líderes, hoje, as características positivas que você tem também são resultado da interação com essas duas figuras.
Até aquele momento, eles eram outras pessoas. No máximo, eram o pai dos seus irmãos ou irmãs; ou o chefe de outros colegas. (Reflita!)
Já pensou como seria uma sociedade onde todos os pais e todos os líderes aceitassem o desafio de serem melhores e terem impacto mais positivo. Como isso iria transbordar pra sociedade, com cidadãos mais conscientes e preparados e com mais foco para construção real e menos distração e discurso vazio?
Sejamos agentes dessa mudança!!
Alexandre Pellaes é palestrante, pesquisador e professor, especialista em temas relacionados a novos modelos de gestão, RH, liderança e futuro do trabalho. Mestre em psicologia do trabalho pela USP e fundador da Exboss.com.br, dedicado ao desenvolvimento de relações de trabalho mais humanizadas e com mais autonomia. Duas vezes palestrante TEDxSão Paulo, colunista do UOL Economia – Lugares Incríveis para Trabalhar.
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