A proposta orçamentária para 2020 não deixa margem a dúvidas quanto à
severidade da restrição fiscal que o governo federal terá de continuar a enfrentar,
mesmo com a aprovação da reforma da Previdência. O que se prevê é que, em
2020, o investimento público federal ficará reduzido a não mais que 0,3% do PIB,
metade do nível já extremamente baixo observado em 2018.
Para assegurar a viabilidade de tal contração no esforço de formação de capital do
governo, a equipe econômica conta com o sucesso da pesada aposta que vem
fazendo no programa de privatização e nas possibilidades de ampla substituição
do investimento público por investimento privado em projetos de infraestrutura.
Tanto o vigor da retomada da economia como as perspectivas de crescimento
sustentado do País dependem em grande medida do sucesso dessa aposta.
Empenho, disposição e vontade política são requisitos fundamentais para que o
programa de privatização e os investimentos privados em projetos de infraestrutura
deslanchem tão logo quanto possível. E nada disso parece faltar ao governo. Mas
há um ingrediente adicional, essencial para o sucesso da aposta, a que o governo,
por enquanto, não vem dando a devida atenção.
Ainda falta muito para que a incerteza regulatória, inerente à privatização de
determinados segmentos do setor público e ao investimento em infraestrutura, seja
reduzida a níveis que não afugentem investidores. E não basta aprimorar as
licitações e a legislação pertinente. É preciso dar lastro técnico, independência e
estabilidade às agências reguladoras para que possam de fato zelar, com isenção e
previsibilidade, pelo cumprimento, de parte a parte, dos contratos de concessão.
Dessa perspectiva, o que preocupa, de um lado, é o descaso com que o governo
vem lidando com o desafio de dotar as agências reguladoras de condições
adequadas para bem desempenhar o papel fundamental que lhes cabe. E, de outro,
os efeitos deletérios que a truculência do estilo quem-manda-aqui-sou-eu do
presidente da República vem tendo sobre a incerteza regulatória.
O que não poderá aprontar numa mera agência reguladora um presidente que, sem
maiores preocupações com os limites institucionais de sua atuação, interfere com
tamanha sem-cerimônia na Polícia Federal e na Secretaria da Receita Federal? Em
que medida sua desastrada intervenção em decisões da Petrobrás sobre preços de
derivados poderá vir a afetar a privatização de refinarias?
Quanto ao descaso, sobram evidências. Um caso emblemático é o do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), principal órgão de proteção à
concorrência do País, paralisado há meses pela vacância de quatro das sete vagas
do colegiado,sem maiores preocupações com as decisões de investimento que vêm
sendo entravadas. O governo chegou até a considerar a possibilidade de tripular o
Cade com gente séria. Mas os nomes indicados acabaram frivolamente incinerados
na pira do nepotismo, quando o Planalto se convenceu de que o loteamento das
vagas a preencher aumentaria a chance de aprovação pelo Senado da indicação de Eduardo Bolsonaro para embaixador em Washington.
Não adianta fechar os olhos e tentar jogar o jogo do contente. Não haverá um surto
de investimento privado em infraestrutura sem que essas dificuldades sejam
devidamente superadas. Tampouco faz sentido arguir que não são dificuldades
novas. Que já vinham sendo observadas em governos anteriores. E que a relação
de Lula e Dilma com as agências reguladoras também era extremamente
problemática.
A diferença-chave a ter em mente é que nem Lula nem Dilma fizeram apostas tão
pesadas nas possibilidades da privatização e dos investimentos privados em
infraestrutura, como a que agora vem sendo feita pela equipe econômica de
Bolsonaro. O plano de jogo era outro. Para o atual governo, é absolutamente
crucial que as agências possam cumprir seu papel com independência e
competência e que o risco regulatório seja reduzido a níveis palatáveis. A dúvida
é se Bolsonaro conseguirá se dar conta disso a tempo.