Já disse certa vez Fernando Almeida (Os Desafios da Sustentabilidade/2008) que a verdadeira sustentabilidade é subversiva, porque propõe uma revolução nos modos de pensar e agir, nas estruturas de poder e hierarquias e –acrescento por minha conta – nas teses econômicas inflexíveis que nos têm trazido até aqui desde a revolução industrial.
Sua principal transgressão, do ponto de vista empresarial, consiste no fato de que se contrapõe à lógica economicocêntrica, fragmentada e cartesiana, característica da gestão de negócios do século 20, oferecendo, como alternativa, uma perspectiva mais sistêmica, multidisciplinar e interdependente, segundo a qual o interesse do lucro não está acima nem pode vir em detrimento dos do planeta e da sociedade. Essa noção, decorrente de valores emergentes neste século 21, estabelece-se a partir da constatação de que os recursos são finitos, meio ambiente e comunidades não são – como se imaginava antes – “externalidades” e o planeta encontra-se em curso preocupante de aquecimento.
Se, segundo a Ciência, a escassez potencial de insumos da natureza junto com as mudanças climáticas põem em risco o futuro das próximas gerações, o que dizer da prosperidade dos negócios? A própria noção de prosperidade, como resultado direto de crescimento econômico, está na berlinda. E é esse o dilema a ser enfrentado hoje pelos governos e agentes de mercado. Dê a ele o nome que se quiser – macroameaça, contingência climática ou radical greening –, é certo que, se preocupa as empresas, preocupa, por tabela, as escolas de negócio, orientadas, desde sempre, pela missão de forjar os talentos que vão manter funcionando a engrenagem corporativa.
A recente inserção da sustentabilidade na gestão das empresas – e, com ela, a necessidade de reinventar a maneira de fazer negócios – tem obrigado as escolas a se rever na direção de preparar líderes criativos, flexíveis, resilientes e capazes de elaborar respostas inovadoras para as demandas de uma nova economia – verde ou azul, menos intensiva em uso de recursos naturais e de baixo carbono.
Mas este não é – nem será – um desafio banal. A sua superação efetiva dependerá, sobretudo, do nível de profundidade – e por que não coragem – na reformulação dos itens que compõem um projeto pedagógico – currículo, conteúdos, objetivos, metodologias e professores.
Desde 2012, por ocasião da Rio+20, educadores de 400 instituições de ensino de 80 países, ligados ao movimento chamado PRME (Princípios para uma Educação Empresarial Responsável), do Pacto Global,vêm trocando experiências sobre como suas organizações podem avançar no esforço de realizar seis grandes desafios relativos à tarefa de ensinar líderes com valores: Propósito, Valores, Método, Pesquisa, Parceria e Diálogo.
O que se tem visto, ao longo desses seis anos, são experiências interessantes (apesar de localizadas e pontuais) que mostram mudanças nos objetivos de programas para formar líderes sustentáveis, a incorporação de valores e competências de sustentabilidade nos currículos e a criação de ambientes, materiais e processos mais adequados a essa finalidade. Os debates também convergem sobre a necessidade de produzir pesquisas que ajudem a melhorar a compreensão sobre sustentabilidade empresarial e sobre a integração de educadores com líderes de negócios, governos e organizações da sociedade civil em torno dos grandes desafios do tema.
Sobre métodos, conteúdos e currículos recorro a Claudio Boechat e Maria Raquel Grassi por entender que sua análise toca questões substantivas. Em um trabalho de pesquisa de 2005, denominado Bases da Educação em Sustentabilidade em uma Escola de Negócios, os dois professores da Fundação Dom Cabral afirmaram que uma nova educação de líderes permeada pela sustentabilidade pressupõe: (1) a inserção do indivíduo na realidade; (2) o entendimento da sustentabilidade como disciplina transversal; (3) a transformação do indivíduo por meio da formação de habilidades e perspectivas mais amplas que simples técnicas ou modelos; e (4) a revisão nas metodologias e técnicas de ensino que tradicionalmente reforçam a fragmentação e a visão parcial do mundo dos negócios.
Esta é também, há muito tempo, a minha opinião. Os métodos utilizados nas escolas de negócio estão longe de ser os mais adequados, pois simulam a gestão, ou seja, tratam de um tipo de gestão concebida “em laboratório”. Nesse processo de simulação, idealizado por educadores que, regra geral, não vivem o cotidiano dos negócios, escolhe-se um modelo de abstração da realidade, dividido em disciplinas ou categorias de conhecimento com territórios demarcados que se julgam autossuficientes, subsistem compartimentalizados, dialogam pouco entre si e com outros campos embora concordem no mesmo objetivo de moldar um gestor preocupado com lucro e produtividade. Questões novas, como meio ambiente e sociedade, ainda são tratadas – quando muito – como acessórias. Variáveis ligadas a valores humanos, como ética, transparência, e equilíbrio de papéis profissional, pessoal e social – inerentes ao universo da sustentabilidade – soam como notas dissonantes num mundo regido pela lógica instrumental e focado em gestores racionais.
É certo que as escolas precisam desenvolver competências gerenciais exigidas pelas empresas sob pena de produzir gestores tecnicamente inaptos e, portanto, desempregados em potencial. Mas é certo também que se o esforço educacional concentrar-se em demasia no lado esquerdo do cérebro (lógico), ignorando o direito (onde moram as emoções e valores), estará contribuindo para formar líderes reprodutores de fórmulas passadas, menos críticos, menos autônomos, intolerantes em relação à diferença, incapazes de ouvir, de se relacionar colaborativamente com pessoas, de aprender a aprender, de analisar as diferentes variáveis contemporâneas de um negócio e, por consequência, de construir respostas para um modelo empresarial mais sustentável.
Uma das conclusões da Plataforma Liderança Sustentável – projeto de gestão de conhecimento que se fundei em 2011 – é que líderes em sustentabilidade se distinguem dos demais por acreditarem, de verdade, nos valores que estruturam o conceito de sustentabilidade, utilizando-os como driver para tomadas de decisão, por praticarem a noção de interdependência entre os sistemas econômico, social e ambiental, por inserirem o conceito na gestão do negócio e criarem sinergia entre pessoas, sistemas e processos.
Há pelo menos quatro anos, fala-se sobre a urgência de tornar transversal o conceito de sustentabilidade nos programas de desenvolvimento gerencial. Os que defendem a ideia têm razão. Mantê-lo como especialidade reforça exatamente o que se pretende combater – a visão disciplinar e fragmentada –, fortalecendo o modelo mental predominante segundo o qual sustentabilidade é algo à parte do negócio e não o seu pano de fundo mais contemporâneo. Daqui por diante, não será mais suficiente ensinar macrofinanças, gestão de pessoas, planejamento estratégico e marketing sem considerar o impacto de decisões tomadas no âmbito de cada uma dessas áreas-meio no desenvolvimento sustentável e numa nova economia. Também não será mais concebível ensinar essas disciplinas tradicionais como se negócios fossem uma realidade paralela, autojustificável, sem qualquer impacto ou custo para comunidades e meio ambiente.
O melhor currículo – penso – será aquele que conseguir combinar fundamento teórico com conteúdos aplicáveis à realidade de cada aprendiz, abrindo a possibilidade de diálogo, em sala de aula e fora dela, entre conteúdos de diferentes áreas de conhecimento das ciências exatas, humanas e biológicas. A melhor abordagem pedagógica será aquela que conciliar informação, reflexão, análise e vivência, estimulando o “aprender fazendo”, com base no desenvolvimento de projetos reais e de interesse dos aprendizes, nos quais eles possam exercitar criticamente os conceitos aprendidos e enfrentar, usando os seus valores éticos, os dilemas das decisões de negócio à luz dos desafios de sustentabilidade. Como já bem disse Peter Senge, tudo o que precisamos aprender sobre sustentabilidade está na vida e não nas salas de aula. Se a vida não entrar na sala de aula ou se a sala não imergir na vida, não haverá educação plena para a sustentabilidade.