Já se vão 25 anos e a advertência do meu primeiro empregador ainda ressoa bastante fresca na minha memória: “Você é competente, tem boa formação, responsividade e criatividade. Mas é muito idealista. Para ter sucesso na empresa terá de deixar a bagagem dos seus valores na porta de entrada.”
À época, entendi o alerta como uma espécie de ameaça. E, provavelmente, era essa mesmo a intenção do bom homem: que eu simplesmente aceitasse as regras do jogo da nova empresa, sem tentar julgá-las á luz de qualquer princípio ético ou moral, já que -- e isso ele deixou bem claro – não havia espaço para tratar, por exemplo, de amenidades como responsabilidade social, um tema com o qual já namorava, ainda que de modo desinformado e tímido. Usando um tom paternal, de quem sabe como a vida é, disse-me o zeloso gestor que fazia isso para que eu não me frustrasse com decisões nem sempre muito éticas que a empresa era “forçada” a adotar para se “manter no mercado.”
Não “havia” espaço, vale ressaltar o tempo passado do verbo. Os tempos são outros, felizmente. A realidade mudou. Se, no início da carreira, fui censurado por seus arroubos idealistas, hoje tenho sido contratado --reforce-se aqui a vingativa ironia-- por empresas para falar às jovens lideranças que seus valores pessoais e suas convicções éticas são muito bem-vindos nas organizações. Mais do que isso, são fundamentais nesses tempos de compliance comendo solto em que as organizações se esforçam para ser mais éticas, transparentes e íntegras, mudando processos, práticas e estratégias na direção de construir interfaces entre os interesses do lucro e os do planeta e da sociedade.
Quando debatida em profundidade na empresa, a noção de sustentabilidade é, sobretudo, um processo – arrisco dizer – de reumanização dos negócios, de reflexão sobre limites éticosda atividade empresarial, de autoanálise dos dilemas de um sistema com falhas já reconhecidas, que gera riqueza como nenhum outro, mas esgota recursos naturais em ritmo acelerado e produz mudanças climáticas e desigualdade social. Circunstâncias como estas criam uma ótima oportunidade para quem tem crenças firmes e pauta sua vida por elas.
Se você, jovem profissional, já fez ou faz algum tipo de trabalho voluntário, exercitando solidariedade, altruísmo e interesse por servir outro, esteja certo de que essas soft skills serão cada vez mais vistas como uma habilidade desejável e valorizada nas empresas. Conta pontos na hora da seleção.
Se você se indigna com toda e qualquer forma de desperdício – de tempo, energia, água, papel e outros recursos naturais – e gosta de fazer mais com menos, por convicção, festeje. Chegou o seu tempo. Poucos terão coragem de chamar-lhe de ecochato, como em tempos passados.
Se você compreende que a atividade empresarial gera impactos socioeconômicos positivos e negativos e que é seu dever profissional reduzir ou eliminar os segundos, está pensando exatamente como as melhores empresas e os líderes mais antenados do século 21.
Se você respeita a diversidade por princípio, convive bem com a divergência de opiniões, sabe ouvir, evita julgamentos baseados em preconceitos, pratica virtudes aristotélicas como a verdade e considera a transparência um valor importante, então possui diferenciais de comportamento crescentemente bem-vindos no mundo empresarial.
Nunca é demais lembrar: formação acadêmica é e sempre será fundamental, até porque – como prega a sabedoria popular – sem competência não se estabelece. Mas os valores que formam o seu caráter, a sua atitude, o seu propósito, a maneira como encontra significado em seu trabalho tornando-o importante para o mundo também são. Saber ser é, portanto, tão importante quanto saber fazer.
Entendo aqueles que, a esta altura do texto, com base em suas experiências pessoais, estejam enxergando excesso de otimismo ou ingenuidade na visão deste escriba. Mas o que digo se baseia em conversas com os mais importantes líderes empresariais do país. Se você trabalha numa empresa que não valoriza os seus valores – pior até, que não tem valores conhecidos de todo o quadro de funcionários – está na hora de procurar um lugar de mais futuro.
Ricardo Voltolini, jornalista, especialista em planejamento em comunicação organizacional, com ênfase nas modalidades de marketing institucional, educacional e social.
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