A vida de repórter não é fácil, mas às vezes é muito boa. Nos acalanta com surpresas encantadoras.
Passei o dia hoje num hospital perto da minha casa onde as pessoas não apenas salvam vidas, mas ainda cultivam a boa e velha solidariedade humana.
Nesses meus 55 anos de estrada na reportagem, sempre persegui histórias com final feliz, mas ultimamente elas têm sido cada vez mais raras.
Quando isso acontece, renovo minha confiança no ser humano, tenho vontade de abraçar as pessoas, beijar as crianças, contar pra todo mundo o que descobri.
Neste caso, porém, a matéria ainda levará algum tempo para ser concluída e publicada na Folha, mas hoje já queria dividir minha felicidade com os leitores deste Balaio, que em setembro completa 11 anos no ar.
Nela contarei a saga de uma família muito simples do interior nordestino para salvar duas crianças, que estariam condenadas à morte, se não tivessem sido amparadas por um grupo de profissionais incansáveis na sua permanente luta pela vida.
A missão deles não se esgota ao final de uma cirurgia bem sucedida, mas estende-se pelas semanas e meses seguintes, para amparar a família e permitir um tratamento adequado e humano aos pequenos pacientes.
Alguns deles já passaram dos 30 anos, e a história de cada um não se apaga com o tempo, na memória desses médicos e de suas equipes de dedicados profissionais.
Por ser algo incomum na vida de um repórter neste país em que hoje apenas sobrevivemos, mal e porcamente, onde se cultua a morte, a destruição e o ódio, a foto acima serve certamente de alento para os desalentados e de esperança para quem já está jogando a toalha.
Para que ela fosse possível, os pais dessas crianças receberam ajuda não só das suas famílias e amigos lá do sertão, mas também de gente da cidade grande que ainda não perdeu a condição humana.
No mesmo Brasil dos procuradores da Lava Jato que debocham do sofrimento e da morte, há cidadãos que resistem e se dedicam a celebrar a vida a todo momento, da recepção ao centro cirúrgico, passando pelas enfermarias, ambulatórios e chegando até a brinquedoteca.
A cada novo dia a batalha recomeça. Ninguém ali tem hora certa para entrar ou sair do trabalho, há sempre algo mais importante a ser feito do que reclamar da sorte ou do salário.
Certa vez, num programa “Roda Viva”, perguntei a Adib Jatene, o grande cirurgião, que na época era ministro da Saúde, se ele não tinha medo de morrer do coração, tal era sua cruel jornada de trabalho, em diferentes cidades e com múltiplas responsabilidades.
Com um sorriso largo no rosto, o médico abriu suas mãos grandes e desdenhou da minha pergunta:
“Não, meu filho, o trabalho não mata ninguém. O que mata é a raiva. É não poder fazer o que você gosta e ser obrigado a fazer o que não gosta”.
Jatene fazia o que gostava e morreu de um ataque sorrateiro do coração.
Mas, com certeza, morreu feliz.
Nada pode existir de mais sublime do que poder salvar a vida de uma pessoa, ainda mais de uma criança.
Vida que segue.