A menos de 30 dias das eleições gerais, é decepcionante a falta de atenção dos candidatos à presidência com as PMEs brasileiras. Muito pouco se fala sobre o tema, e os comentários normalmente superficiais (“os pequenos negócios são o motor do Brasil”) apenas evidenciam a irrelevância do assunto nas agendas de campanha.
Mais atenção aos pequenos negócios – 99% das empresas brasileiras; 8,9 milhões de registros formais, segundo o SEBRAE – faria muito bem à nossa economia. O Anuário do Trabalho SEBRAE / DIEESE aponta que 70% das novas vagas de emprego no setor privado entre 2003 e 2012 foram geradas por PMEs (que respondem por 52% do total de empregos privados formais). A boa notícia se torna ainda melhor ao considerar que o aumento real na massa salarial das PMEs no período foi de 33% sobre a inflação – 1/3 acima do aumento real nas grandes empresas, de 22%.
A qualidade dos pequenos negócios também vem evoluindo. Dados do GEM, pesquisa internacional sobre empreendedorismo cujo capítulo brasileiro é desenvolvido pelo IBQP com apoio do SEBRAE, demonstram que desde 2003 o perfil da maior parte dos novos negócios no país é por Oportunidade – tendo alcançado 71,3% em 2013, maior valor histórico – em detrimento da tradicional prevalência dos negócios implantados por Necessidade (a taxa de sobrevivência do primeiro grupo é substancialmente maior, daí a relevância do indicador).
A resiliência dos pequenos negócios também se beneficiou da evolução econômica do país no período 1994-2008: segundo dados da Receita Federal analisados pelo SEBRAE, a taxa de mortalidade das PMEs no Brasil praticamente inverteu uma realidade de cerca de 20% de sobrevivência ao segundo ano de atividades em 1993 para 75,6% em 2009. Ou seja, o investimento nas nossas PMEs promete trazer resultados cada vez mais duradouros.
Dados e sinais da relevância das PMEs para a retomada da economia brasileira não faltam, mas as agendas de campanha continuam pouco sensíveis. E que mudanças no ambiente de negócios brasileiro beneficiariam as pequenas empresas?
Não há dúvida que as PMEs se beneficiariam de todas as iniciativas sabidamente importantes para a competitividade do país, como redução da carga tributária geral, desburocratização, flexibilização das relações de trabalho e maior incentivo à inovação – mas os pequenos negócios também têm sua própria agenda.
Uma mudança pouco aparente e muito importante está nos critérios de transição entre as categorias tributárias das pequenas empresas. O Simples Nacional foi concebido com vários e nobres objetivos, entre eles o de aumentar o grau de formalização na economia brasileira. O sucesso da iniciativa permitiu que este argumento também sustentasse a criação do MEI, o Microempreendedor Individual: as duas iniciativas serviram e servem como “porta de entrada” para vários pequenos negócios na economia formal, agregando benefícios a essas empresas e à sociedade. Mas é necessário fazer mais.
A diferença entre os “degraus” tributários aplicados ao MEI, ao optante pelo Simples e às demais empresas é muito grande – o que desestimula a formalização do crescimento dessas empresas. A consequência é que, com o tempo, apenas parte das receitas do MEI é contabilizada – ao contratar um segundo funcionário ou sair da faixa original de faturamento, restrita a R$ 5 mil mensais, o MEI se torna uma microempresa, passando a suportar encargos muito maiores do que os anteriores. Para evitar isso, os MEI crescem com parte considerável das receitas ou da equipe no limbo da informalidade.
O caso das pequenas empresas é ainda mais gritante. Ultrapassados os R$ 300 mil mensais de faturamento, a EPP passa a ser uma empresa “normal”, perdendo os benefícios do Simples. A diferença nos tributos sobre a atividade econômica não é o mais significativo – ao deixar de ser optante pelo Simples, a empresa passa a recolher também a parcela patronal sobre o INSS, que equivale a 20% da sua folha de pagamento. Dados do SEBRAE e da FGV mostram que uma em cada duas pequenas empresas brasileiras está no comércio, atividade em que normalmente a folha de pagamento está entre os três principais custos do negócio – o que torna esta mudança muito penosa, e temida, pelos empreendedores neste estágio. A consequência é que os empresários fogem do desenquadramento através da abertura de novas empresas e do uso de “laranjas”, prática ilegal e que atenta contra a produtividade do negócio.
A suavização dos degraus para a mudança de categoria tributária tanto para o MEI quanto para a EPP traria mais eficiência e mais formalização à economia – um estudo atuarial aprofundado talvez corrobore a suspeita de que a arrecadação final poderia até aumentar com o impacto da redução da informalidade. Esta é uma agenda já perseguida pelo SEBRAE e pela Secretaria da Micro e Pequena Empresa, mas a ausência do tema no discurso dos candidatos levanta dúvidas sobre o sucesso da empreitada, naturalmente difícil em um país onde a Receita Federal é um dos entes públicos mais eficientes.
Um outro fator de evolução que ainda enfrenta controvérsia – e que até por este motivo deveria fazer parte do debate eleitoral – é o respeito à separação entre o patrimônio pessoal e empresarial dos sócios de empresas limitadas.
Uma empresa limitada (“Ltda.”) é aquela onde, segundo a definição legal, a responsabilidade dos sócios está limitada ao valor das suas cotas. A lei define ainda os casos em que a personalidade jurídica da empresa pode ser desconsiderada, notadamente quando há gestão fraudulenta do negócio. No entanto, este dispositivo é notoriamente sobreposto pelo judiciário e o patrimônio dos sócios das empresas limitadas costuma responder ilimitadamente pelos problemas do negócio. E o que há de errado nisso?
A grave consequência é a penalização do erro honesto. Empreender é e sempre será uma atividade de risco considerável, e falhas e fracassos são parte do jogo empresarial: a maior parte dos empreendedores de sucesso possui histórias de fracasso em seu currículo. Segundo o pesquisador norte-americano Lawrence Cooley, uma das características que diferenciam os empreendedores bem-sucedidos é justamente a capacidade de enxergar o fracasso como aprendizado, e não como o “fim da linha”.
Neste contexto, o fracasso serviria para ensinar ao empreendedor o que não fazer, preparando-o para triunfar na próxima tentativa. Em uma sociedade em que o erro é punido não só sobre os ativos do negócio, mas sobre os do próprio empreendedor, o desencorajamento para tentar de novo é evidente. E ainda que isso não seja suficiente para “quebrar” a vontade de empreender de novo, os inúmeros problemas cadastrais e eventualmente judiciais que decorrem do fracasso empresarial normalmente dão conta do recado – para quem escapa, sempre há o cipoal burocrático que envolve o encerramento e baixa legal de uma empresa no Brasil. Ou seja, o veredicto está dado: para empreender, a primeira vez é quase sempre a última chance.
Esta questão aparentemente menor ganha contornos dramáticos quando se considera os números: uma projeção do SEBRAE sobre dados da Receita Federal considera que serão abertas 4 milhões de pequenas empresas no Brasil entre 2013 e 2022. Se mantida a taxa de mortalidade empresarial mencionada anteriormente neste artigo, 976 mil empresas fracassarão antes do final do segundo ano, ceifando aproximadamente 1,8 milhão de empregos.
Cabe à nossa sociedade decidir se queremos que a parcela honesta desses empreendedores (presumivelmente, a grande maioria) arrisque novamente se beneficiando das lições aprendidas, gere novos empregos e movimente a economia; ou se desejamos desestimulá-los ou impedi-los a novas iniciativas, destino mais comum de quem falha ao implementar um negócio. Exemplos a favor da segunda chance não faltam nas economias mais desenvolvidas, como os próprios EUA, Singapura (cidade-estado notória também pela dureza de suas leis) ou a Coréia do Sul. Com certeza haverá argumentos pró e contra, mas dificilmente não seria unânime a necessidade de se discutir o assunto – que mereceria pelo menos ser levantado pelos candidatos ao posto máximo do país.
O Brasil é visto quase que consensualmente pela crítica econômica internacional como o país que menos agiu para debelar os riscos macroeconômicos entre os “cinco frágeis” (nós, Índia, Indonésia, Turquia e África do Sul). Diante dos enormes desafios de âmbito macro à frente, considerar a valorização dos pequenos negócios como uma forma eficaz de melhoria da situação econômica brasileira seria, no mínimo, uma atitude inteligente. Tomando como base um exemplo de como age o setor privado: em entrevista recente ao jornal Valor Econômico o presidente da Microsoft Brasil, Mariano de Beer, creditou principalmente às vendas ao segmento das pequenas empresas o crescimento da filial brasileira – o maior em dólares entre as operações da empresa nos mercados emergentes em todo o mundo, no ano fiscal de 2014 (China incluída).
As pequenas empresas são um ativo da nossa sociedade, que sem dúvida merece a atenção que demanda. Com a palavra, os candidatos.