Quando convidei o professor Silveira Bueno, um dos mais destacados estudiosos do nosso idioma em toda a história, para fazer uma palestra aos alunos do nosso curso de Expressão Verbal, fomos surpreendidos com informações sobre a comunicação de Rui Barbosa.
Com 93 anos de idade, o professor tinha tido a oportunidade de assistir a três apresentações do famoso orador e, segundo seu relato, ouvi-lo era uma penitência: voz monótona, ausência de gesticulação e, principalmente, excesso de verbo. Silveira Bueno disse, em tom de brincadeira, que Rui falava tanto que, se viesse para o nosso curso, seria reprovado.
O que precisamos considerar neste depoimento do querido mestre é que, da época de Rui para cá, as pessoas mudaram, passaram a exigir mais objetividade e outro estilo de comunicação. É essa mudança que iremos analisar, principalmente o que ocorreu dos anos 70 para cá. E qual a influência da tecnologia nesse processo de transformação na maneira das pessoas se comunicarem.
Na atividade dos gerentes de banco, no princípio era só verbo.
As coisas mudaram. E muito. Os não tão velhos, mas também não tão novos, se lembram da figura imponente do gerente de banco. E bota imponência nisso. Até a década de 70, especialmente nas cidades do interior, na mesa de honra das solenidades, com pouquíssimas alterações, encontrava-se a seguinte composição: o prefeito, o juiz de direito, o delegado, o promotor de justiça, um professor (pasme!), um deputado (ou vereador) mais uma ou outra figuraça e… o gerente do banco.
Esse profissional era tão respeitado que chegava a ser convidado com freqüência para ser padrinho de batismo ou de casamento. E os pais da criança – ou o casal – ficavam envaidecidos com aquela presença de tanto prestígio na sociedade. Visitar cliente? Que é isso?! Ele não tirava a bunda da cadeira. A não ser para ir almoçar, em casa, longamente, e com direito a sesta; e, de vez em quando, para pegar um cafezinho na bandeja ao lado da mesa.
Surgiu a concorrência acirrada
De 70 para cá, começou a ocorrer uma grande mudança. Aumentou a concorrência e os clientes passaram a ser cortejados. Os gerentes tinham que sair de suas agências para fazer visitas, pois já se deparavam com metas para todos os produtos e serviços bancários – depósito à vista, depósito a prazo, carteira de cobranças, arrecadação de impostos, financiamentos, operações de câmbio e o diabo. Uma verdadeira quitanda, tal o número de itens comercializados.
Como todos os profissionais, os gerentes de banco também tiveram que se preparar.
Os gerentes tiveram que ficar espertos. Passaram a visitar e a convidar mais os clientes para que fossem à agência. Prepararam-se melhor, pois, ao juntar recebimento de impostos, que não tinha compulsório, com depósito à vista, que tinha, com carteira de cobrança, em que os títulos, depois de recebidos, ficavam com seus valores ainda uns dias em uma conta especial, antes de serem repassados aos clientes, com as operações de incentivo às exportações – ufa! – era preciso aprender a fazer conta: tinham que saber quanto efetivamente sobrava para ser emprestado, quanto receberiam do empréstimo e qual o lucro proporcionado pelas operações especiais.
No comecinho de 70, por incrível que possa parecer, gerentes de banco não sabiam fazer conta. Usavam ainda as máquinas Facit acionadas à manivela e alguns, pouquíssimos, que vinham das escolas de engenharia, esnobavam com a regra de cálculo.
Num primeiro momento usaram umas tabelinhas que quebravam o galho, mas não resolviam. Ali encontravam diferentes percentuais de reciprocidade em depósitos à vista e arrecadação de impostos, taxa de juros aplicada, prazo da aplicação e pronto – aleluia! – a rentabilidade da operação estava calculada. Só que, se aparecesse um novo percentualzinho de reciprocidade, uma taxa quebrada em décimos, ou prazo fora dos 30,60 e 90 dias, a tabela já não servia mais, furava tudo.
Foi então que surgiu a calculadora HP 22, maquininha que, com um pouquinho de conhecimento de matemática financeira, resolvia a questão.
E assim foi: o gerente aprendeu a analisar balanço, matemática financeira, técnicas de venda, de negociação, e se transformou em um dos profissionais mais completos do mercado. Os melhores eram contratados pelos bancos com pagamentos de luvas, como ainda ocorre com os jogadores de futebol, e muitas outras mordomias.
Simpáticos, ainda continuavam a paparicar os clientes importantes com visita na empresa, ou na agência, e almoços demorados. Valia a pena, dava lucro e parecia que seria sempre assim.
Vamos nos lembrar que os anos 80 foram um verdadeiro maná para os bancos, pois com a inflação na casa dos 20 ou 30 por cento, e em algumas épocas até 40, era só faturar – o que entrava era lucro e o que saía mais lucro ainda. Os banqueiros deitavam e rolavam.
A década de 90 foi uma revolução
Em meados dos anos 90, com o fim da inflação, a abertura do mercado brasileiro para o exterior, a vinda de bancos de todas as partes do mundo, a queda na taxa de juros, os mais incompetentes, e que não eram poucos, aproveitaram que já estavam deitados em berço esplêndido e, literalmente, rolaram falência abaixo. Foi uma loucura, cada dia quebrava um.
Como não havia mais inflação e o spread estava achatado, pela redução das taxas de juros, os bancos precisaram encontrar novas formas de ganhar dinheiro.
Os homens foram sendo substituídos pelas máquinas. Centenas de milhares de bancários perderam o emprego e, nesse meio, a maioria dos gerentes.
Todos aqueles cálculos de rentabilidade das operações passaram a ser feitos automaticamente por programas especiais. À medida que o cliente vai tendo contato com o banco e fazendo suas operações, as maquininhas registram e, no final, sozinhas, atribuem uma nota ou conceito para o cliente.
Os gerentes de banco que conhecemos nas décadas de 70, 80, e até de 90, praticamente não existem mais. Eles estão por aí, mas com funções e atribuições tão modificadas que não seria exagero dizer que são outros profissionais.
As longas conversas foram substituídas pela objetividade
Estamos falando em maquininhas nas agências, mas, se o cliente preferir – e prefere cada vez mais -, nem precisa sair de casa para pagar contas, fazer transferências, aplicar ou desaplicar. Tudo pode ser feito em casa, pelo computador ou pelo telefone. E telefone que não será atendido por ninguém, e sim por uma gravação – se desejar saber o saldo, tecle 01; se desejar aplicar, tecle 2, e como última opção, se desejar falar com um de nossos atendentes, que, lógico, não é o gerente, tecle o trocentos.
Não é crítica não, só estou constatando uma realidade que há algum tempo estamos vivenciando. Esse fenômeno não ocorreu apenas com os bancos e seus gerentes, mas com quase todas as organizações e seus diretores, gerentes e demais funcionários. Exemplifiquei com essa atividade porque todos têm acesso a ela e puderam acompanhar, pelo menos em parte, essas transformações que pesquisei.
É muito importante saber como ocorreu essa transformação nas atividades profissionais, provocada pela presença avassaladora da tecnologia, e sua conseqüência na forma de as pessoas se comunicarem, para compreendermos por que hoje devemos ser mais objetivos.
Hoje, o gerente de banco, ou o que sobrou dele, e todos os profissionais das mais diferentes atividades precisam falar com objetividade, pois são poucos aqueles que têm condições para conversar por tempo prolongado.
Um exemplo de outra atividade que passou a exigir fala mais objetiva
Há algum tempo fui entrevistado pelo jornalista Humberto Werneck para uma longa matéria publicada na revista Playboy. Em meio a tantos temas tratados, a seu pedido, fiz uma análise da comunicação de algumas personalidades brasileiras. Entre os analisados, inclui o senador Eduardo Matarazzo Suplicy e disse que o julgava um bom comunicador, pois tinha postura elegante, gesticulação harmoniosa, voz bonita, semblante expressivo e credibilidade. Mas apresentava um grave defeito: não tinha um pingo de objetividade. Quando falava, não conseguia ir direto ao ponto. E lancei um desafio: se ele me procurasse, com apenas 6 horas de aula ficaria pronto.
Mais de um ano depois da publicação, recebi um telefonema do senador: – Professor Polito, quero saber se o que disse na entrevista da Playboy ainda está em pé e, se estiver, quando podemos marcar a primeira aula. Combinamos o treinamento para a mesma semana, e eu não estava enganado. Ele era bom, mas não tinha objetividade. Estou revelando essas informações porque não é mais segredo, pois o próprio senador as relatou a diversos órgãos da imprensa.
No início da primeira aula, pedi que falasse do seu projeto de renda mínima por três minutos. Ele falou durante quarenta e oito minutos. Em seguida fui mostrando as informações que poderiam ser suprimidas, sem prejuízo do conteúdo, e ele foi reduzindo para 30, 20, 10, até chegar a três minutos.
Não demorou muito e ele me procurou novamente dizendo que precisaria preparar uma apresentação de três minutos (estava entusiasmado com os três) para contar a história do livro “Queda para o alto”, falar do seu relacionamento com a autora, como ela foi trabalhar no seu gabinete, como tinha sido o seu suicídio, recitar umas poesias e homenagear a população de Heliópolis, onde se realizaria o encontro. No dia da apresentação falou em seis, mas mesmo assim foi elogiado em matéria do Estadão com a seguinte manchete: Senador bate recorde de tempo falando em apenas seis minutos.
Ora, se alguém que milita na política há tantos anos e, para se preparar, como candidato a candidato à presidência da república, se submete, humildemente, a um treinamento para aprender a falar com mais objetividade, podemos deduzir como essa qualidade é importante também para todas as outras profissões.
O que significa e como falar com objetividade
Ao contrário do que alguns imaginam, falar com objetividade não significa apenas falar pouco. De maneira geral, quem fala com objetividade e tem capacidade de síntese, fala pouco, mas não necessariamente. O conceito de objetividade precisa ser analisado, além do tempo consumido na apresentação, também com relação ao conteúdo e à sua finalidade.
De nada adiantaria falar pouco tempo se não conseguisse passar as informações que precisa, ou sem ter ainda persuadido os ouvintes. Entretanto, falar mais, depois de ter completado a mensagem e persuadido os ouvintes, constitui erro de comunicação que precisa ser combatido.
Analise antes qual é o assunto
A exemplo do que já comentei em outros textos, o ponto de partida para falar com objetividade é delimitar bem o assunto que irá abordar. Após ter identificado o tema, relacione os argumentos que deseja utilizar para dar apoio às suas informações. Aqui já poderá fazer a primeira triagem, pois será possível eliminar os argumentos mais frágeis, suprimir as informações supérfluas e utilizar apenas o que for mais consistente.
Não tenha dó, vá passando a caneta e afastando o que pode ficar de fora. Verifique também se não se empolgou com algum argumento que considera muito importante e por isso o esteja repetindo com freqüência. Repetir muitas vezes um argumento, por melhor que seja, enfraquece o trabalho de persuasão e torna a exposição prolixa.
Ao analisar a possibilidade de enfrentar objeções dos ouvintes, certifique-se de que elas efetivamente existem, pois defender os argumentos de ataques que talvez nem ocorram, pode fazer com que o problema que não existia passe a existir, além de se transformar em conversa desnecessária. Mais um veneno para a objetividade.
Até que ponto os ouvintes estão preparados para receber a mensagem
Não são raras as situações em que podemos ir sem rodeios ao tema central para transmitirmos a mensagem que desejamos. Entretanto, a iniciativa de irmos ao assunto pressupõe que os ouvintes já estão preparados para receber a mensagem. Se você transmitir o assunto diretamente, sem que os ouvintes já saibam qual o tema que será tratado, que problema está desejando solucionar e as etapas que pretende cumprir durante a exposição, estará comprometendo a compreensão das informações e falhando no processo de comunicação.
Aqui está um bom roteiro para que você possa ter mais objetividade. Vá ticando, até mentalmente:
• Os ouvintes já sabem qual é o assunto? Também não vamos exagerar, pois mesmo que já tenham a informação, não custa nada gastar uma simples frase para comunicar qual o tema da apresentação. Por exemplo: Hoje vamos falar sobre a segmentação do território para as diferentes equipes de venda. Cinco segundos. Não matam ninguém.
• Os ouvintes sabem qual é o problema que desejo solucionar, ou o histórico das informações atuais, ou as etapas que pretendo cumprir? Aqui a questão já começa a ficar mais séria, porque é um dos momentos que consomem mais tempo e, de maneira geral, sem necessidade. Quase sempre o problema ou o retrospecto já são conhecidos dos ouvintes, e mesmo assim é comum as pessoas perderem um tempo enorme para dizer o que já é sabido. Se, entretanto, o problema ou o histórico não forem conhecidos, uma frase curta poderia substituir longas explicações. Por exemplo: Vamos propor um programa para solucionar as constantes quedas no volume de vendas. Sem a necessidade de ficar explicando tintim por tintim como as vendas foram caindo ao longo dos últimos meses. A não ser, evidentemente, que julgue que essas informações detalhadas sejam fundamentais.
Da mesma maneira, se concluir que, durante a exposição do raciocínio, os ouvintes acompanharão com facilidade o assunto, não precisará dizer quais as etapas que pretende cumprir. Observe que, neste momento, você estará analisando se precisará mesmo preparar os ouvintes com orientações adicionais para que compreendam a mensagem. Se chegar à conclusão de que já estão prontos, não vacile, vá metendo a caneta e riscando o que não serve. Lembre-se: para ser objetivo, a ordem é enxugar.
Veja se os ouvintes compreenderam bem a mensagem
Objetividade e ilustração, de maneira geral, não podem se sentar à mesma mesa. Não combinam muito. Se for necessário esclarecer melhor o assunto já transmitido, o melhor recurso é o de fazer uso de uma ilustração. Uma história, verdadeira ou não, que ajude o ouvinte a entender a mensagem.
Só que as histórias, quase sempre, são longas e consomem mais tempo do que a própria mensagem em si. Por isso, se desejar a objetividade nas apresentações, só conte uma história como ilustração se for muito necessária, e, se resolver lançar mão desse recurso, prefira exemplos concretos, que são mais curtinhos e servem também para reforçar a linha de argumentação.
O início e a conclusão
As apresentações mais técnicas, como temas abordados em reunião, permitem introdução simples e rápida. Por exemplo, agradecer a presença de todos, ou mostrar de forma clara os benefícios que os ouvintes poderão obter. O perigo maior, entretanto, está na conclusão.
É comum observar pessoas falando como se fossem cachorro tentando morder o próprio rabo – rodam, rodam, rodam e não saem do lugar. Por isso, ao iniciar conversas importantes, ou apresentações que exijam objetividade, prepare com antecedência o que deverá dizer na conclusão.
A reação do ouvinte pode ser um excelente indicador do limite de tempo e se estamos ou não sendo objetivos. Fique atento. Se ele começar a dar tapinhas na perna, tamborilar com os dedos um objeto qualquer, mudar o apoio do corpo, ora sobre uma perna, ora sobre a outra, mexer em papéis sem motivo, afastar-se da mesa com a cadeira, olhar demoradamente para baixo ou para cima, fixar os olhos no vazio, com aquele brilho de quem está com o pensamento longe, o tempo já estará esgotado. Tchau, levante acampamento e dê até logo.
Mas não leve tudo ao pé da letra. Se você perguntasse a 10 pessoas se gostariam que fosse diretamente ao assunto, ou se prefeririam que fizesse uma preparação com informações adicionais, antes de tratar do tema, 11 responderiam que deveria ir diretamente ao assunto.
Só que, por mais positiva que seja a objetividade – e esse conceito ficou claro nesse texto – nem sempre atender aos anseios dos ouvintes e tratar do assunto diretamente é a melhor decisão. Se os ouvintes apresentarem algum tipo de resistência com relação a você, ao tema, ou ao ambiente; se não estiverem convenientemente preparados para receber a mensagem, porque não estão inteirados do motivo da exposição, não estão conscientes do problema que pretende solucionar e não sabem quais as diversas partes que pretende cumprir, como já vimos, ainda não é o momento de abordar o assunto.
Pós-graduado com especialização em Comunicação Social pela Fundação Cásper Líbero, em Administração Financeira pela F.G.V. e em Administração Financeira pela Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo.
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