Recentemente, fui convidado a dar uma entrevista para programa de TV em Florianópolis. O convite partiu da apresentadora que havia assistido uma palestra, meses atrás em Joinville, em que apresentei um pouco da minha trajetória profissional que culminou em trabalhar na NASA. Para início de ano, o programa está criando uma série com o tema “Escolha de carreira e motivação”, e a apresentadora considerou que minha jornada seria interessante para abrir a série. Refletindo sobre como abordar o tema de forma não convencional, me veio a ideia do WindSurf, por já ter feito um curso anos atrás, sendo agora uma temporada de verão em Floripa, cercada de praias, etc. Antes da entrevista, conversei com a apresentadora e ela achou tão interessante a analogia que fez questão que falássemos disto durante a gravação. Em função desta receptividade, comentei com ela que pensei em escrever um artigo, o que aqui compartilho com você. Espero que mesmo sem nunca ter subido numa prancha de windsurf, você entenda e aplique estas dicas!
Equilíbrio é fundamental
Embora a imagem do windsurf esteja totalmente ligada ao movimento, o primeiro passo para se conseguir praticar o esporte é justamente ficar parado sobre a prancha, pois sem isto você nunca irá se mover. De forma semelhante, para planejar sua carreira, você deve “parar para pensar”, pois é quase impossível planejar sem algum nível de reflexão. Muitos se comportam como o bordão “deixa a vida me levar…”. Sem dúvida as forças da vida podem lhe levar a vários lugares, mas nem sempre ao lugar que você deseja. Portanto, defina um tempo para refletir sobre sua vida, alguns precisam de poucas horas, outros de um dia, dependendo da complexidade do plano, até de uma semana ou mesmo um mês. A duração do tempo, em si, não importa tanto, pois apenas você saberá a medida. Mas o importante é parar para refletir.
Lendo o vento
Depois de conseguir o equilíbrio na prancha, em geral após levar alguns (ou muitos) caldos na água, é importante saber “ler o vento”. Isto inclui entender a direção do vento, sua intensidade, etc. Em função desta leitura, o praticante posiciona a vela de tal forma que, no primeiro momento, o vento não incida sobre ela ao ser levantada. A ideia básica é que mesmo depois de tirar a vela da água e coloca-la verticalmente na prancha, o vento passe paralelo à vela, e você ainda está em equilíbrio mas parado. Na vida, você precisa “ler o mundo”, quais são as forças externas e internas que lhe impulsionam para frente ou levam para trás.
Vale destacar que ler o vento também implica entender que, em alguns dias, simplesmente não se tem condições de velejar, por completa ausência de vento (algo raro em Floripa) ou por condições muito agressivas. Nesta situação, o windsurfista pode aproveitar para ler sobre a prática ou fazer qualquer coisa, mas tem que cultivar a paciência e entender estas limitações. De forma análoga, você deve entender o mundo e saber que, em algumas condições, o melhor é ter paciência para aguardar o momento para agir, aproveitando ao máximo para se capacitar, pois lembre-se ser paciente não é ser passivo!
Outro ponto relevante é que assim como o windsurfista não tem controle sobre vento, forças das onda e demais fatores da natureza, mas com habilidade sabe conduzir sua prancha, nós não temos controle sobre muitos elementos externos na nossa vida, mas podemos desenvolver habilidades que nos orientem a como melhor reagir aos estímulos que recebemos.
Defina o destino
Tão logo o praticante sabe manter a prancha parada com a “vela solta”, ou seja sem o vento incidir sobre ela, é necessário posicionar a prancha de tal forma que ela mire no seu destino. Este é um exercício que requer ainda mais equilíbrio pois fazendo força com os pés, tendo o ponto da vela entre eles, o praticante tem condições de girar a prancha colocando-a em direção ao objetivo. De forma semelhante, uma vez que você consiga ler as forças que incidem sobre sua vida, defina o objetivo, usando estas forças como alavanca para posicionar a “prancha da sua carreira” na direção desejada.
Comece a se mover!
Com todo exercício anterior, o que pode levar alguns minutos ou mesmo até as primeiras aulas, o praticante de windsurf ainda “não saiu do lugar”, mas já conseguiu realizar coisas fundamentais, sem as quais jamais velejará. Uma vez dominadas estas habilidades, aí sim, o windsurfista começa a “dar a vela” ou seja girar a vela de tal forma que o vento incida sobre esta e ele consiga se mover em direção ao objetivo. Em sua carreira, uma vez tendo lido as “forças do mundo” e definido seu objetivo, é necessário executar ações de tal forma que estas forças lhe impulsionem. É normal que neste momento da prática de windsurf ocorram “outros caldos” até bem mais intensos, assim na carreira é possível que as reações do mundo sejam adversas e não lhe conduzam ao objetivo. No windsurf, o praticante tem que vencer o medo, se cair da prancha (algo inevitável) tem que se equilibrar novamente e começar tudo de novo.
O normal é que a sensação de liberdade, experimentada com o movimento e o controle da prancha e da vela, seja bem mais intensa do que o medo, assim o praticante aumenta sua vontade de velejar. Na carreira, você deve celebrar cada conquista, por menor que seja, e aprender com cada tombo, mas busque tirar de todos resultados algo positivo, quer seja um movimento claro em direção à sua meta, ou uma nova lição para adquirir ainda mais equilíbrio para comandar a “vela da vida”.
É nesta fase do treino de windsurf, que o praticante entende que com o ângulo da vela, ele consegue mais ou menos velocidade e sente ainda mais vontade de explorar o sistema. Ele entende o efeito que ocorre com a posição dos pés, mais para frente ou para trás na prancha, ou ainda para mudar a direção, a importância da inclinação da vela, da posição das mãos, entre outros detalhes. Tudo isto requer adaptação de seu corpo em função das reações do vento na vela. Em qualquer plano de carreira, é praticamente impossível que não haja alguma correção de rumo, sendo assim você terá que se reposicionar, de forma mais ou menos intensa, em função dos resultados que suas ações estão gerando.
A fase da maestria
Com persistência, boa orientação, prática e mais uma série de fatores, o windsurfista torna sua relação com todo sistema cada vez mais fácil, ao ponto que todos movimentos passam a ser feitos de forma quase inconsciente. Na condução da carreira, uma vez que se consiga analisar com equilíbrio, ler o mundo, agir usando as forças em direção ao seu objetivo e adaptar-se em função dos resultados obtidos, o processo se torna cada vez mais natural. Nesta condição, lembrando o poeta britânico William Henley, você se torna “o mestre de seu destino, o capitão de sua alma”.
Contudo, nunca é demais salientar, por mais que o pretendente a praticante de windsurf observe vários praticando, assista vídeos, ouça instruções, leia livros, etc, nunca desenvolverá as habilidades necessárias sem vencer o medo e subir na prancha. As livrarias estão repletas de boas referências, sem falar na internet, sobre virtualmente como fazer qualquer coisa, mas quantas pessoas se sentem hoje em uma condição pelo menos próxima à definida pelo poeta?
Decolando com o vento!
Anos atras, na definição de um projeto de pós-doutorado, me vi diante de questões muito profundas para refletir. Como esta iniciativa era essencialmente pessoal, pois não era uma imposição de minha universidade ou qualquer pessoa, me senti na condição de aplicar alguns destes conceitos. Por motivos diversos, pude usar as forças do mundo e acabei morando no Vale do Silício, sendo pesquisador da NASA por um ano. Isto não apenas alavancou minha carreira como pesquisador, mas me levou também a explorar “outras praias”!