Crédito: novo ciclo de expansão
Estabilidade econômica, juros baixos, mercado de capitais e tecnologia ampliam o crédito e os
efeitos da política monetária sobre a economia.
Roberto Padovani
23 de dezembro 2019
A comunicação recente do Banco Central mostra que um dos riscos para o controle da inflação
são as transformações na intermediação financeira. A ideia é que a ampliação do mercado de
crédito potencialize os estímulos monetários e gere um crescimento econômico mais rápido
que o esperado. Esta avaliação faz sentido.
Depois do salto de cerca de 30 pontos percentuais do PIB na carteira total de crédito entre
2004 e 2015, a combinação de estabilidade, juros baixos e inovações tecnológicas abre espaço
para um novo ciclo de expansão, elevando a sensibilidade da economia aos estímulos
monetários. A diminuição dos recursos direcionados e a maior relevância do mercado de
capitais reforçam este cenário.
A estabilidade política e econômica é clara. Desde 2016 o Brasil tem uma gestão responsável
na economia e avança em reformas, possibilitando a estabilização da dívida pública e a
ancoragem de câmbio, inflação e juros. Como resultado, o ambiente se torna mais previsível e
favorece a confiança de empresários e consumidores, estimulando o crescimento e reduzindo
o risco político.
Dificilmente os próximos anos irão trazer um segundo mergulho recessivo, protestos de ruas,
tensões eleitorais agudas ou reformas decisivas, como no passado recente. Mais importante, a
queda lenta do desemprego incentiva a manutenção da agenda de mudanças e reforça um
círculo virtuoso entre estabilidade e expansão.
Este contexto beneficia o crédito. No caso das famílias, emprego, juros e inflação fazem com
que o comprometimento da renda e a inadimplência fiquem controlados mesmo com a alta do
endividamento. Já o segmento corporativo deverá ser beneficiado pela maior competição
bancária e expansão do mercado de capitais, fazendo com que a menor alavancagem, prazos
mais longos e a queda de custos ajude a superar a crise financeira.
Mas além das questões econômicas, as novas tecnologias também trazem mudanças
relevantes. Em apenas uma década, os smartphones e a maior capacidade de processamento
ampliaram o acesso à internet, viabilizando aplicativos que otimizam o uso do capital e
corrigem ineficiências do mercado consumidor.
Na mesma linha, a internet das coisas, o big data e a inteligência artificial coletam, armazenam
e analisam dados, expandindo o conjunto de informações disponíveis para a tomada de
decisões data driven, mais racionais e eficientes. Clientes passaram a ser melhor atendidos e o 2°
capital mais bem utilizado em setores tão distintos quanto logística, meio ambiente, turismo,
saúde, entretenimento e educação.
A indústria financeira não ficou de fora das transformações. Internet e mobile banking, bancos
digitais, open banking e FinTechs trazem mudanças nas áreas de meios de pagamento, crédito
e investimento. Além de estes avanços possibilitarem maior concorrência, cria-se um ambiente
que incentiva a inovação. Novos métodos, mais ágeis, flexíveis, multidisciplinares e voltados
para resolver problemas dos clientes fazem com que a tecnologia se espalhe com maior
velocidade pelo sistema.
Com mais instrumentos para resolver insatisfações cotidianas, os consumidores passaram a ser
valorizados, levando a mudanças na estrutura, cultura e gestão das organizações. Em termos
práticos, a automação, a digitalização de processos, as plataformas eletrônicas e a criação de
novos canais de distribuição de produtos e serviços financeiros, mais rápidos e com mais
qualidade, reduzem as despesas administrativas e aumentam a eficiência, levando a custos e
riscos mais baixos.
A gestão financeira das empresas também é impactada. Com mais informações e maior
eficiência na logística, estoques e contas a receber são minimizados ao mesmo tempo em que
o financiamento obtido com bancos e fornecedores passa a ser mais fácil e barato. O resultado
é a menor necessidade de caixa e de capital de giro, permitindo que a estrutura de capital
privilegie os investimentos.
Todos estes movimentos sugerem que depois de quatros anos de retrocesso, o crédito irá
retomar sua trajetória de convergência em direção ao patamar dos países desenvolvidos. Há
ainda muitos gargalos a serem superados, como a insegurança jurídica e a dificuldade em se
executar garantias. Mas estabilidade, juros e tecnologia são novidades com força suficiente
para explicar um novo ciclo de expansão.