Em outubro do ano passado, o empresário Eduardo Mufarej deixou a presidência executiva do grupo educacional Somos Educação, vendido recentemente para a Kroton, e pediu licença não remunerada da Tarpon Investimentos, gestora de private equity da qual é um dos sócios. Desde então, ele está à frente do RenovaBR, uma ONG criada e sustentada por empresários para formar candidatos ao Legislativo. Agora, está mergulhado nas eleições para concretizar o sonho de renovação política. “Muita gente coloca muita esperança nessa agenda de renovação política”, diz Mufarej. “Mas é preciso ter os pés no chão e entender que isso é um processo.” Nesta entrevista, realizada na sede da organização, dentro do Centro Ruth Cardoso, no bairro paulistano do Jardim Paulista, o executivo explica qual é a expectativa com as eleições e quais são as mudanças possíveis, no curto prazo. Ele também critica o financiamento público via fundo partidário e faz um mea culpa sobre a ausência do setor privado na política.
DINHEIRO – A eleição deste ano vai ser diferente?
EDUARDO MUFAREJ – Será uma eleição diferente porque, de uma certa forma, tem uma fadiga do sistema político. A população está cansada e está topando até uma aventura. Obviamente que não sabemos muito o desdobramento, por conta do tempo de TV, que vai ter uma relevância grande depois da Copa do Mundo. Estamos passando por um tipo de modelo de campanha que vai ser uma transição entre uma realidade e o que vai ser no futuro. As pessoas olham e dizem que não querem isso que está aí. Mas tem uma armadilha nesse processo, que é importante pontuar. Os índices de abstenção que tiveram no Tocantins chamaram muita atenção. O problema é que a elevação dos índices de abstenção só ajudam a perpetuar a classe política atual.
DINHEIRO – O Brasil está dividido desde a última eleição presidencial. Em um país dividido, o centro está perdido?
MUFAREJ – Acho que sim. Nenhum candidato está entregando para a sociedade brasileira uma mensagem de futuro. Perdemos a capacidade de sonhar. Quem está nas polarizações, não consegue fazer isso, porque não consegue apresentar uma visão. Esse papel cabe a quem pacifica esses ângulos. Mas ninguém ainda conseguiu dizer isso. Vejo muita gente falando nas suas microbolhas, para eles próprios, enquanto está faltando a sociedade olhar e dizer. “Voltei a ter esperança. Essa pessoa é a que vai nos guiar para um futuro melhor, porque a vida está difícil”. Ninguém está conseguindo produzir isso. Estamos nessas discussões de embates, um contra o outro, de desqualificação. Quem está propondo o país que vamos ser, com todas as dificuldades e oportunidades que temos? Ninguém está dizendo isso. Não estou vendo nenhum candidato produzindo essa capacidade de sonhar. Essa é a grande oportunidade dessa eleição. Vejo muito discurso de escassez dos dois lados. É o Estado grande, é o pequeno… Mas o discurso que está faltando ninguém ainda conseguiu trazer para a mesa.
DINHEIRO – Como as redes sociais vão influenciar nessas eleições?
MUFAREJ – Para as eleições majoritárias, as redes sociais vão ter uma importância grande. Principalmente quando se olha para o WhatsApp. Na reta final das eleições, vamos ser bombardeados todos os dias com 400 mil tipos de conteúdos diferentes. Como aconteceu recentemente no Estado do Tocantins, em que as redes sociais tiveram um peso importante como um fator de desestabilização de determinadas candidaturas. Para a eleição proporcional, será mais difícil, porque são muitos candidatos. Então, tende a ser favorecido quem é conhecido, tem um trabalho consolidado e base de apoio.
DINHEIRO – O financiamento de campanhas é um problema?
MUFAREJ – O Brasil ainda está se recusando a discutir esse problema. Ainda tem uma discussão importante de como se financiar. Eleição custa dinheiro. Como reduzir esse custo? Não é simplesmente dando uma canetada. Tem de criar condições para que os custos caiam e viabilizem o acesso para que uma pessoa não precise se descapitalizar ou gastar o que não tem para servir a sociedade. Essa proposta de valor é muito ruim e acaba atraindo para a política, não generalizando, gente que não tem os melhores interesses e compromissos.
DINHEIRO – De que maneira o fim do financiamento privado vai mexer com as campanhas?
MUFAREJ – O Brasil, agora, tem um mecanismo de financiamento público, que acontece via fundo eleitoral. O que me chama a atenção é que o critério de distribuição do fundo eleitoral é meramente quantitativo. Ele só leva em consideração o tamanho da bancada e os votos nas últimas eleições. Isso levou à mercantilização das bancadas, porque um deputado a mais significa mais acesso ao fundo eleitoral. Mas, um bom partido, que faz um bom trabalho orgânico, um bom trabalho de fundação e de investimento na participação feminina e na elevação da representação de minorias, não recebe nenhum bônus por isso. Então, o modelo não está bom.
DINHEIRO – Qual seria um bom modelo?
MUFAREJ – Se vai ter financiamento público, que ele seja para premiar os partidos que, de fato, fazem uma política partidária bem feita. Tem partidos que recebem muitos recursos de fundo eleitoral sem ter convenção, sem ter estruturas regionais ou mantendo um dono há mais de 20 anos. Assim, não é a melhor prática, não é a melhor governança. Deveria aproveitar esse momento de financiamento público para promover uma mudança na forma. Com relação à origem do financiamento, cabe uma reflexão profunda. Por que eliminamos o financiamento da pessoa jurídica e colocamos como única alternativa o fundo eleitoral, cujos critérios são ruins? Grande parte do fundo eleitoral vai ser destinado para a reeleição dos deputados. Porque, se o fundo eleitoral é uma função da quantidade de deputados que um partido tem, quase que o deputado se sente dono daquele quinhão do fundo eleitoral. É uma dinâmica que não tem sentido nenhum. Se o financiamento vai continuar sendo público, que ele seja feito de forma meritocrática, que leve critérios qualitativos, porque o quantitativo, única e exclusivamente, está colocando a gente em algo muito ruim.
DINHEIRO – Isso significa que o custo das campanhas não será menor?
MUFAREJ – É preciso reconhecer que as campanhas custam dinheiro no Brasil. O custo delas precisa cair e acho que o voto distrital é um caminho para conseguir reduzir custo. Não tem grandes distâncias e não tem comunicação para todo mundo. Trabalha-se de forma mais condensada, além de ter os efeitos comparativos, de quanto um candidato está gastando vis-à-vis com o outro. Esse é um caminho. O desafio adicional é que o Brasil não tem tradição de doação de pessoa física, assim como é na democracia americana. O que vai acontecer é que grande parte do fundo eleitoral mal distribuído vai para reeleição e os candidatos de renovação, que não vão ter acesso ao fundo eleitoral e não podem ter apoio de pessoas jurídicas, porque está vedado, vão ter que contar com as pessoas físicas. Torço para que seja um número maior e mais elevado do que em anos anteriores. A questão do financiamento eleitoral precisa ser trabalhada em profundidade, compreensão e consequências para a sociedade dos modelos A, B ou C. É preciso estruturar um modelo que funcione, se não vamos continuar perpetuando um mecanismo de privilégios, que é o que acontece hoje, ou abrindo caminho para que o capital de outras instituições, muitas vezes não declarados, seja um financiador de eleições por outras frentes, eventualmente o crime organizado e as igrejas. Essa é uma preocupação importante.
DINHEIRO – O índice de renovação do Congresso gira em torno de 40% no Brasil. É uma mudança satisfatória?
MUFAREJ – A questão dessa renovação é a qualificação. Esse cálculo inclui quem teve mandato um dia, ficou fora, e voltou. É percentual de reeleitos versus percentual de novos eleitos. Esse é o índice da renovação dentro dos 30% a 40%. Mas, a qualificação dessa renovação, saindo das questões de família, das oligarquias de poder, de pessoas que já ocuparam mandato ou de pessoas que estão dentro da política, o número de renovação é muito menor. Reportagem da Folha de S.Paulo indicou que a renovação qualificada é de 4%. Isso acaba com a falácia. Se conseguirmos ter 10% do Congresso de novos personagens, com novas práticas, vai ser uma vitória brutal para o País.
DINHEIRO – Qual é a renovação necessária da política para o País?
MUFAREJ – A renovação necessária é a de práticas e personagens. Essa é a que gostaríamos de ver. O Brasil acabou virando um país onde o clientelismo prevalece. Há cooptação de candidaturas com financiamento e contrapartidas de execução de mandato. Na minha opinião, esse é o maior problema estrutural do Brasil. O sistema estimula isso. Por mais bem intencionada que seja uma pessoa para servir a sociedade e o público, ela não tem recursos para financiar sua candidatura. Uma vez que entra numa campanha que vai custar alguns milhões de reais, vai acabar sendo cooptada e tendo de atender interesses que não são os da população e sim o de grupos específicos ou de corporações.
DINHEIRO – Qual será a mudança possível a ser feita?
MUFAREJ – É um ponto de inflexão. Um ciclo eleitoral não é a solução estrutural do Brasil. A sociedade, a elite, foi omissa e participou pouco da vida pública. São muitos anos de ausência de participação ou de participação muito limitada. Acho que agora as pessoas estão tentando retomar o País, mas isso não vai acontecer de uma vez só. Será dentro de uma janela de tempo mais longa. A eleição deste ano é um ponto de inflexão. Não vamos ter uma mudança radical, mas vamos começar a apontar para uma nova realidade.
DINHEIRO – Por que os empresários, como o senhor, começaram a participar só agora da política?
MUFAREJ – Sempre fui uma pessoa interessada em política. Tenho 41 anos, então não estou tão velho assim. É uma questão de prioridade em determinado momento da vida. Oito anos atrás estava casando, não tinha patrimônio. É difícil ajudar se preciso resolver os meus problemas de sustentação financeira. Não venho de uma família rica, minha mãe era professora da rede pública e meu pai trabalhava numa empresa de autopeças. Construí minha trajetória de forma completamente independente. Mas teve um contexto que foi começar a ver gente disposta mudar, a partir das manifestações de rua lá de 2013. Foi caindo a ficha. Para a sociedade, esse processo não é imediato. Temos de lembrar, também, de uma sociedade razoavelmente engajada nos anos 1960 que foi neutralizada pelo regime militar. Não podia ter participação civil na política. Perdeu-se uma geração. Essa geração, hoje com seus 55, 60 anos, estava focada em ganhar dinheiro e sobreviver de outra forma depois do fim desse período. Em seguida, houve a estigmatização que foi falar “política não é problema seu, trate de ganhar dinheiro”. Agora, vejo que tem uma mobilização da sociedade, acontecendo principalmente nas grandes cidades, para um novo ecossistema da política brasileira, com o Partido Novo, o movimento Livres e outros movimentos cívicos. Isso vai ganhar força no tempo, com o despertar da sociedade como um todo.
DINHEIRO – O empresário Jorge Paulo Lemann fez declarações de que deveria ter influenciado mais na política brasileira. Essa mudança de mentalidade passa por essa reflexão?
MUFAREJ – Sim, e está se construindo uma corrente. As pessoas estão entendendo que a participação cívica é essencial para ter resultado. Nenhum país deu certo estigmatizando a política. Nenhum. Ao contrário, enxergamos vários desenhos que deram errado por rejeitarem isso. Para termos um país diferente temos de agir diferente. Acho que tem esse despertar, sim. Por exemplo, existem cinco candidatos que são bolsistas da Fundação Estudar [organização sem fins lucrativos de incentivo à educação, financiada por Lemann]. Nunca tinha tido nenhum. Um deles é formado pelo Insper. Ele é o primeiro formado pelo Insper. Então, isso é muito legal, porque o Insper nunca teve um candidato. É uma instituição de ensino recente, mas é de ponta. É a mesma coisa que Harvard não ter um candidato nos Estados Unidos. Todo ciclo eleitoral tem alguns.
DINHEIRO – O que o sr. percebeu nessa trajetória à frente do Renova?
MUFAREJ – A fragmentação partidária é muito grande no Brasil. O País tem partidos demais e de menos, ao mesmo tempo. Tem um monte de siglas que não querem dizer nada. Ao mesmo tempo, há interesses e visões ideológicas da sociedade que não têm um lugar na política. Veja o exemplo de um partido como os Liberais Democratas, do Reino Unido, que é pró-casamento gay e entende que a questão fiscal é importante na economia, hoje no Brasil não tem algo parecido. É difícil qualificar os grupos partidários dentro de determinadas ideologias. Isso foi se perdendo. É parte de um processo nosso de compreensão do que são as ideologias. Pouco se discutiu isso. O que defendem os partidos do centrão? É muito difícil saber, porque é tão errático e balança conforme a direção do vento. É complexo, mas vejo com algum otimismo que isso de alguma forma se resolva.