A IMPORTÂNCIA DE ÂNCORAS NA INDÚSTRIA DE REDE

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Existe ampla literatura econômica sobre a importância de consumidores âncoras para atração de investimentos de infraestrutura para indústrias de rede. Nesse artigo vamos tomar como exemplo a indústria de gás natural. Para isso, vamos apresentar 3 exemplos no continente americano: Estados Unidos, México e Peru. O objetivo será o de mostrar como nesses países o processo de ancoragem da demanda levou ao aumento no volume de investimentos em infraestrutura e, ao mesmo tempo, promoveu a universalização do acesso ao gás natural.

No caso dos EUA, o setor elétrico foi importante âncora para atrair investimentos em infraestrutura de gasodutos e oleodutos, permitindo a expansão da exploração comercial dos recursos não convencionais de petróleo e gás natural (do inglês shale oil e shale gas) no início da década de 2000. De 2009 a 2016, o país substituiu 250 GW (1,45 vezes a capacidade instalada atual do Brasil) de usinas a carvão pelo gás natural, contribuindo para a redução de emissões de gases de efeito estufa.

No caso do México, após a reforma energética de 2013, a Eletrobrás mexicana (CFE) garantiu a demanda em caráter de take or pay para a construção de 10.000 quilômetros de gasodutos. No México –país que passou por reforma energética mais recente do continente– foram introduzidos leilões de energia elétrica separando-se em 3 produtos: produto energia, produto capacidade (ou potência) e produto crédito de energia limpa. Esse tipo de leilão poderia ser estudado pelo Brasil no âmbito da modernização do setor elétrico.

Tanto nos Estados Unidos como no México foi utilizado o modelo de financiamento do MLP (FIBRA-E) via mercado de capitais, para a construção dos gasodutos. Esse modelo deveria ser estudado para o Brasil e mesmo colocado na nossa legislação.

Por fim, o caso do Peru. Neste país, para que fosse construído um gasoduto de 600 quilômetros ligando os recursos de gás natural do campo de Camisea no norte do país até o centro de carga no sul do país foi novamente o setor elétrico a âncora para viabilizar esse investimento. Os consumidores de energia elétrica pagaram pela construção de tal gasoduto e o payback do investimento projetado inicialmente em 7 anos, ocorreu na prática em menos de 3 anos.

Quando se trata de infraestrutura, é importante chamar à atenção que não existem atalhos. Logo, para que a lei econômica de oferta e demanda possa funcionar e uma maior pluralidade de supridores possam fornecer gás natural para o consumidor final é necessário viabilizar, por meio de consumidores âncoras e modelos de financiamento, investimentos em escoamento, processamento e tratamento, transporte e distribuição.

Portanto, planejar com antecedência tais investimentos é fundamental para garantir que essa riqueza nacional possa ser universalizada e gerar receitas fiscais para o governo. Afinal quando a União promove leilões de áreas de petróleo e gás natural a obrigação dos concessionários é de monetizar toda essa riqueza em benefício de toda a sociedade. Para atingir essa meta em que todos ganham, é necessário criar condições para o aumento da oferta, da infraestrutura e expansão do mercado. Isso ocorre quando perseguimos a universalização.

No Brasil nos encontramos num momento ideal para atingir essas metas por meio da discussão do Projeto de Lei 6.407/13 que está tramitando no Congresso Nacional.

As premissas para ancorarmos o consumo de gás natural no Brasil em térmicas inflexíveis seriam:

1- o perfil da matriz elétrica brasileira atual com predominância de fontes renováveis intermitentes;
2- o saudável processo de retirar térmicas de óleo combustível e óleo diesel da matriz;
3- as projeções de dobrar a produção de gás natural no pré-sal nos próximos 7 a 12 anos; e
4- necessidade de trazer mais inércia ao sistema para garantir a robustez e a segurança do suprimento de energia elétrica no país.

Para tanto, nós consideramos fundamental e essencial que a reforma do marco legal do Gás Natural, a partir da aprovação do PL 6407/13, possa contemplar conceitos importantes como a definição de UTP (Usina Termelétrica Prioritária).

Com a volta do crescimento da economia brasileira, a atual sobreoferta de energia das distribuidoras pode desaparecer mais rápido do que se imagina. Portanto, o processo de integração energia elétrica e gás natural por meio de térmicas inflexíveis com leilões locacionais vai permitir a atração de investimentos em toda a cadeia do gás natural, garantindo a segurança de abastecimento e tarifas menores para consumidores finais, tanto do gás natural como da energia elétrica. Ganha o setor de gás natural e o elétrico. E o mais importante: ganham os consumidores. Hoje os ganhadores dos leilões não são as energias de menor custo e sim as que dão os menores lances, já que não se considera os atributos de cada fonte para escolher os vencedores dos leilões.

Como? Pelo fato de que a introdução de térmicas inflexíveis com CVUs (custos variáveis de produção de energia com base no preço dos combustíveis em linhas gerais) mais baixos (R$ 200-300/MWh) em relação às térmicas de óleo combustível e diesel (R$ 1.100-1.300/MWh) reduziria, em 1º lugar, o despacho fora da ordem de mérito, e com isso a volatilidade do PLD que tem sido muito grande nos últimos anos.

De que forma? Promovendo um melhor gerenciamento dos reservatórios hidrelétricos –sim o estoque de energia mais barato à disposição da sociedade– em função da redução da reserva girante do sistema. As tarifas de energia elétrica de 2014 a 2019 cresceram em média 50% acima da inflação no período. Além disso, permitiria a expansão das energias renováveis como a eólica e a solar que são intermitentes sem comprometer a segurança do abastecimento.

Na realidade, as térmicas inflexíveis funcionariam como bateria virtuais, dado que possuem uma série de atributos inexistentes nas fontes intermitentes. Se compararmos às baterias de Ion-Lítio, as térmicas de gás natural possuem a vantagem de terem custo de desenvolvimento mais competitivo (US$ 60-70/MWh X US$ 150-160/MWh no caso das baterias) e vida útil bastante superior.

Logo, em que pese a tendência global de contínuo aumento da oferta de energia renovável –extremamente salutar considerando os esforços de descarbonização e redução do aquecimento global–, é importante que a oferta seja balanceada com uma fonte térmica. E o gás natural, por meio da interiorização de gasodutos, configura0se como uma fonte competitiva para cumprir esse papel no Brasil.

Os setores de óleo & gás natural não são considerados serviço público no texto constitucional brasileiro, porém a universalização da oferta de petróleo, gás natural e derivados em todo território nacional sim está presente na nossa Constituição. Logo o caminho para aumentar a oferta de gás natural, com redução nos preços, implantar uma infraestrutura adequada ao volume de gás e conquistar novos mercados passa pela universalização do acesso ao gás natural, levando ao desenvolvimento regional. A exemplo do que ocorreu no setor elétrico. E a exemplo do que está colocado no novo marco legal do saneamento. O governo Temer lançou o Programa Gás para Crescer. O governo Bolsonaro, o Novo Mercado de Gás. O substitutivo do PL 6407/13 tem de trazer O Gás para Todos. Para a D. Maria em Uberlândia, para o taxista em Goiânia, para os empresários do agronegócio do Centro-Oeste e não somente para alguns privilegiados.

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Entrevista com Adriano Pires
Entrevista com Adriano Pires
Adriano Pires
Adriano Pires

Adriano Pires

Adriano José Pires Rodrigues, conhecido como Adriano Pires, economista brasileiro de destaque na área de energia. Com mais de 30 anos de experiência, ele é sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), instituição dedicada à análise e desenvolvimento de políticas públicas no setor energético.

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