Qual o preço da distração?


Qual foi a sua maior distração?

Quando ouço esta pergunta surge em minha memória lembranças cinzentas de um dia que, se por um lado gostaria de esquecer, por outro foi o ponto de partida na busca pelo aprimoramento da minha concentração.

Aos 25 anos eu trabalhava como gerente de informática de uma pequena editora de listas telefônicas. Era o encarregado de fazer diariamente a cópia de segurança dos arquivos dos milhares de anúncios e assinantes que eram inseridos diariamente e manualmente na lista durante o período de venda das publicidades. Ao término desse período a lista era diagramada, impressa e distribuída à população. O cronograma estava em dia e a lista seria um sucesso, não fosse por um pequeno detalhe. Por uma simples distração...

No final do expediente daquela tarde de sexta-feira, por mera distração e excesso de rotina, eu me esqueci de fazer a cópia de segurança dos arquivos da lista. Fui para casa com aquela terrível sensação de estar esquecendo algo muito, mas muito importante.

Na manhã de segunda o temor mostrou a sua face: o computador central foi infectado por um vírus e entrou em pane destruindo o HD e todos os seus arquivos, inclusive aquele que havíamos preparado ao longo de um ano. Em outras palavras, o meu pequeno lapso fez com que a empresa sofresse um enorme prejuízo.

Para poupá-lo de maiores detalhes sobre como me senti naquele dia e para onde foi o indicador de nível da minha auto-estima, permita-me apenas o desfecho: aquele pequeno esquecimento fez com que eu arrastasse uma equipe inteira ao trabalho sob pressão passando dias, noites e madrugadas inteiras recuperando o trabalho perdido. Depois disso, só me restou pedir demissão.

Qual foi a sua maior distração?

Que prejuízos você poderia contabilizar?

Toda distração de alguma forma nos expõe a lei da causalidade, isto é, se para toda causa existe um efeito, então para toda distração haverá uma consequência!

Se fôssemos estimar em valores e pudéssemos depositar numa conta bancária todo o dinheiro gasto com distrações sofridas anualmente por governos burocráticos e desorganizados, empresas sem métodos operacionais eficientes e cidadãos distraídos, a cifra seria suficiente para alimentar todos os famintos do mundo, construir fontes de energia limpa para abastecer grandes cidades ou alfabetizar todos os humanos.

Como é possível estimar isso?

Simples: um dia tive a disciplina de fazer uma planilha e anotar tudo o que via e ouvia sobre distrações e esquecimentos. Dos mais absurdos, como a pessoa que esqueceu um fogão dentro do metrô, a mulher que esqueceu seu vestido de noiva no ônibus, ou corretor que se esqueceu de renovar o seguro do carro de um cliente que acabara de sofrer um acidente. Do médico que se distraí e esquece o bisturi no corpo do paciente ao colaborador que, por distração, esquece um equipamento ligado e por isso incendeia a empresa. Durante o período da pesquisa nada fugia a um olhar altamente focado. A minha conclusão foi que as pessoas gastam com distrações e esquecimentos muito mais do imaginam.

Em meu livro Os 10 Hábitos da Memorização, propus uma analise do preço da falta de foco. Calculando o valor de pequenos lapsos como uma luz acesa, uma televisão ligada ou o combustível gasto para retornar e buscar algo esquecido foi provável estimar que um cidadão esquecido sofra prejuízo anual em torno de 2 mil reais. Acredite: tem gente gastando bem mais do que isso!

Uma pessoa me contou que esqueceu o seu tablet no bolsão da poltrona do avião: 2 mil reais num único esquecimento. Outra se esqueceu de comparecer numa audiência: concordou em pagar cinco mil reais. A garota da casa lotérica se esqueceu de registrar o bolão da mega-sena: 53 milhões de reais. Um empresário se esqueceu de checar se o aeroporto da cidade destino da licitação estava aberto e enviou-a de avião, resultado: o aeroporto estava fechado, a licitação não pousou e o empresário me revelou o preço do esquecimento: 58 milhões de reais.

Até o momento daquele episódio lastimável ocorrido na empresa em que eu trabalhava, eu nunca havia pensado na hipótese de sofrer algum tipo de problema de déficit de atenção. Aliás, eu nem pensava no assunto. Seguia a vida na mais perfeita normalidade. Sofria um ou outro esquecimento, mas para mim era algo absolutamente normal, afinal de contas, as pessoas sempre esquecem alguma coisa.

Mas aquele episódio me marcou tão profundamente que mudou a forma como eu tratava a minha mente. Eu comecei a vigiá-la de perto, a prestar atenção, a persegui-la como um amante ciumento.

O problema de olharmos para dentro e prestamos atenção a determinado comportamento é corrermos o risco de reforçá-lo, para bem, quando provamos a nós mesmos que somos capazes de nos superar e atingir objetivos, ou para mal, quando recebemos sinais de que não somos tão bons quanto imaginamos. O meu erro foi observar e com isso reforçar apenas os comportamentos ruins.

Como um agente de trânsito obcecado por flagrar motoristas errantes, eu policiava milimetricamente os passos da minha mente distraída. Cada distração era equivocadamente celebrada, o que me dava cada vez mais certeza de que havia algo de errado acontecendo comigo. Mais tarde pude descobrir que realmente havia algo de errado. A questão era: quanto mais eu prestava atenção em meus lapsos, mais eu me distraía! Algo que em princípio parecia com a lei da atração, na verdade era fisiológico, pensar de modo negativo em relação a minha mente naturalmente influenciava minha percepção e finalmente na capacidade de memorização.

MA crença de que eu sofria algum tipo de problema de memória produziu resultados desastrosos. Aluno medíocre, desconcentrado, profissional distraído, esquecido e, potencialmente perigoso, pois fui prova viva de que um esquecimento poderia arruinar uma empresa, um dia surgiu uma luz no fim do túnel.

Um amigo me ofereceu de presente um livro sobre técnicas de concentração. Um livro simples, escrito por um guru indiano, mas com ideias lúcidas que mudaram radicalmente minha percepção sobre foco, memória e concentração. Aprender a olhar para dentro, a policiar os pensamentos, a respirar corretamente ajudaram a acalmar a minha mente, mas não ficou apenas nisso.

Entrei numa rotina de estudo interdisciplinar que envolvia práticas de yoga, teorias da neurociência, discussões da filosofia da mente, neurolinguística e até mesmo computação. Eu estudava e praticava exaustivamente todos os modelos de exercícios para concentração. Fui aprimorando e desenvolvendo minhas próprias técnicas e felizmente hoje domino plenamente a arte de como dirigir o foco da minha atenção. Os resultados foram tão impressionantes que permitiram uma grande virada. Dali em diante nunca mais sofreria com distrações, riscaria da minha vida definitivamente o verbo esquecer, e me tornaria, em abril de 2006, o homem com a melhor memória do Brasil. O que não é nada mal, para um ex-esquecido.
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