“Você topa bater um papo sobre inovação?”, me perguntava, por e-mail, um profissional que eu não conhecia, mas que trabalhava em uma empresa que admiro de longe faz tempo. “Eu?”, pensei. Não inventei nenhuma tecnologia revolucionária e, embora tenha criado uma empresa do nada, não foi uma startup que rapidamente virou unicórnio. Meus passos são mais lentos, embora eu me orgulhe da consistência. Minhas ferramentas de trabalho são bem convencionais e, mesmo usando computador e gravador digital no dia a dia, a verdade é que poderia resolver tudo com papel e caneta. “Seu nome foi indicado por algumas pessoas.” “Sério?”, continuei questionando silenciosamente, intrigada e positivamente surpresa. “Claro, estou à disposição”, respondi. Estava provavelmente mais curiosa que meu interlocutor para ver onde daria essa conversa.
Bom, não criei um unicórnio, mas, como jornalista, estudo pessoas e empresas há 15 anos. Há pouco mais de três meses, lancei o livro De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo, uma biografia 100% independente. Uma história cheia de inovações que mudaram a indústria e o cenário empresarial brasileiro. Soube mais tarde que foi principalmente por tê-la estudado a fundo que recebi o convite para aquela conversa.
O papo foi sobre inovação – não limitada à tecnologia. Gostei da abordagem. E me dei conta do quanto as duas palavras – inovação e tecnologia – andam associadas nos últimos tempos. A ligação entre as duas é óbvia e inegável. Porém, para ser franca, a parte que me interessa – e ouso dizer – que faz a diferença é a humana. Como diz meu amigo Claudio Garcia: a tecnologia pode ser ilimitada, mas o ser humano que a programa ainda tem (ou acredita ter) suas limitações.
Não vou aqui discutir sobre o alcance e as barreiras do big data, machine learning, inteligência artificial. Não tenho autoridade para falar sobre os assuntos. Mas, aqui do meu quadrado, penso que mais importante que essas discussões é outra, ponto de partida de qualquer inovação: quem está querendo inovar? Por quê? Para quê?
Minha crença é de que as respostas a essas perguntas – pessoais e intransferíveis, portanto autênticas – contêm a chave da inovação para qualquer pessoa ou negócio.
Vou dar um exemplo para me explicar melhor. Faz um tempo encontrei um amigo, recém-saído do setor em que trabalhava, e eufórico com as possibilidades que encontrou no mundo “aqui fora”. Inteligente e antenado, ele havia rodado o Vale do Silício, conhecido as pessoas mais populares da cena empreendedora no Brasil e lido todos os livros hypados sobre o assunto. Era tudo muito interessante. Ainda assim, eu tinha de fazer um esforço para acompanhar seu raciocínio. Até que identifiquei o ruído: faltava narrativa em sua fala. Ele jogava um monte de informações e descobertas uma atrás da outra sem espinha dorsal, sem fio condutor, sem começo, meio, fim e moral da história. A ausência de narrativa refletia a confusão de sua mente. Então, interrompi sua fala e, como um chamado amigo, olhei bem fundo em seus olhos.
– Sim, o mundo tem milhares de possibilidades incríveis. E você tem recursos para fazer o que quiser. Mas vai ter de fazer algumas escolhas. E como vai saber qual é a escolha certa?
Ele parou de falar. Ficou me olhando como quem foi puxado de um balão para a Terra e tenta se situar, um pouco irritado por ter sido interrompido. Eu não estava preocupada em ter razão. Eu só queria ter uma conversa agradável. Uma narrativa saborosa. Um diálogo que fizesse sentido. E quem dá sentido para as coisas (ainda) são as pessoas e suas razões.
– Entendi tudo o que me contou, mas não entendi o principal: o que você quer fazer? Por quê? Para quê?
Eu tinha ouvido essas mesmas perguntas de um ex-chefe. Quando fundei o Atelier, fomos tomar um café, e eu, eufórica como meu amigo que mudou de área, disparei a falar das possibilidades que enxergava. Ainda me sentia extasiada com a sensação de poder experimentar (quase) tudo – algo que todo empreendedor que conheci sente. Ele devia estar com a mesma sensação de ausência de narrativa que tive com meu amigo. Então, gentil e firmemente, me apontou que não se tratava do que eu poderia fazer. Mas sim do que queria fazer e do que me motivava a fazê-lo.
Hoje traduzo essa sua constatação como a chave para qualquer inovação. As grandes inovações às quais nos referimos à exaustão recentemente – Uber, Airbnb, Amazon – não mudaram a indústria e a forma de o mundo se organizar e consumir porque acertaram na mosca a tecnologia da vez. Elas mudaram a perspectiva. O ponto de vista. A mentalidade. A tecnologia foi meio, não fim. Nessa simplicidade é que mora o poder.
Ganhei mais elementos para aprofundar essa reflexão em uma aula a que assisti recentemente no BTG Pactual, a convite da gestora Constellation, com o professor brasileiro Thales Teixeira, de Harvard. Ele é autor do conceito de Decoupling, explicado em seu livro Unlocking the Customer Value Chain: How Decoupling Drives Consumer Disruption. Depois de estudar inúmeros casos a fundo, sua conclusão é a de que a inovação disruptiva está em fatiar a experiência do consumidor e em criar mais valor em alguma etapa da cadeia. Afinal, se começarmos do começo perguntando por que e para que inovar, não consigo pensar em um argumento mais forte do que: para a vida ser cada vez melhor.
O que é uma vida melhor? Bom, as respostas possíveis são no mínimo tantas quanto a quantidade de seres humanos. E aí está a beleza. O segredo da inovação. Cada um no seu quadrado e pelos seus motivos, pode dar sua contribuição. Não há fonte de inspiração mais rica e autêntica do que o bom e velho conhece-te a ti mesmo de Sócrates. A tecnologia está aí, cada vez mais multifacetada, exponencial e democrática, para ser usada por mentes que são únicas. Portanto, inovadoras por definição. Basta mergulhar no lugar certo: dentro de si mesmo ou da sua empresa.