Alguns executivos acham que gestão da cultura é um processo simples, que basta criar a declaração de valores, divulga-la nas salas de reunião da empresa, e pronto, está feito!
Podemos dizer que o primeiro passo foi dado. Uma etapa importante foi feita, mas ainda há muito o que fazer. Cultura não se muda apenas pela comunicação da lista de Valores. É necessário mudar os processos de trabalho, e apoiar a mudança especialmente com as ferramentas de gestão de recursos humanos. Vejamos um exemplo: uma empresa que queira tornar sua cultura mais orientada para o cliente. Provavelmente não estará fazendo isto só porque parece ser bom, mas porque seus indicadores mostram que há atrasos sistemáticos nas entregas, talvez tenha altos índices de reclamação por parte dos clientes, e suas faturas talvez sejam emitidas regularmente erradas afetando sua receita. Será que seria suficiente colocar nas paredes de suas salas algo como: “o cliente é o rei”, “o cliente tem razão”, “foco no cliente”, “foco no foco do cliente”?
Certamente também será necessário mudar seu processo de trabalho e a forma como se relaciona com seus clientes. Deverá rever seu sistema de faturamento e verificar por que seus relatórios apresentam erros. Seria falha humana ou de sistema? Talvez seja necessário criar um grupo de trabalho de alto nível liderado por um diretor, com a autonomia e autoridade necessárias para alterar processos que cruzam várias diretorias, e eventualmente contratar consultoria externa especializada neste assunto. Neste caso, provavelmente vários conflitos surgirão, e a mediação de alto nível do presidente será necessária. É neste exato momento que veremos se o principal executivo da empresa quer, de fato, mudar a cultura da empresa, tomando o caminho do novo, ou se preferirá manter o status quo. Muitas vezes a mudança é incerta, e não se sabe o resultado que afinal surgirá. Segundo Ronaldo Iabrudi(1), “quem não arrisca não inova, não muda a organização, não inspira as pessoas”.
Tendo estudado mudança nas organizações por muitos anos, John Kotter (2) concluiu que apenas uma pequena parte destes processos obtém êxito. Ele associa estes insucessos à inabilidade de gestão de projetos complexos e à falta de liderança, que não deve ser confundida com gerência de projeto ou de pessoas. Já Robert Kegan(3), professor da Harvard Medical School, pesquisou este tema por outro ângulo e criou a teoria de que desenvolvemos uma “imunidade à mudança”, porque, em essência, a situação atual, por ruim que seja, apresenta benefícios suficientes para o indivíduo querer mantê-la. Racionalmente podemos querer mudar, mas emocionalmente há dúvida de trocar o certo pelo duvidoso. E este é exatamente o caso em que o líder principal da organização não pode ter qualquer dúvida sobre o que precisa ser feito. O principal líder precisa ser a mudança desejada. Precisa dar e ser o exemplo.
Algumas organizações tentam mudar sua cultura alterando somente seus artefatos e isso, em geral, não tem efeito prático ou duradouro. Um exemplo disto são empresas que, querendo ter uma “cultura de startup”, colocam uma mesa de bilhar em suas instalações e pufs coloridos à sua volta, mas mantêm todas as demais características de uma empresa tradicional e seus controles. Com mensagens contraditórias os colaboradores acabam optando pelo comportamento tradicional e conhecido.
Nove passos para a mudança da cultura
Baseado em nossa experiencia em projetos de mudança de cultura, elencamos nove passos que o gestor deve fazer para transformar sua cultura:
1. Engajar o mais alto líder da organização neste tema.
Nenhum projeto de mudança cultural pode ter a expectativa de êxito sem o total engajamento do principal líder da organização. Todo Presidente Executivo ou de Conselho sabe da importância de um planejamento estratégico, mas nem todos sabem da intima relação entre cultura e estratégia. Também nem todos sabem do impacto nos resultados que a cultura pode ter, para o bem ou para o mal. Assim, nem sempre o tema cultura estará automaticamente em sua agenda. Se este for o caso, talvez ele ou ela precise ser pacientemente capacitado neste tema até tomar este assunto como seu.
2. Definir a cultura “ótima”, em função da estratégia.
Cultura ótima é aquela que será a mais funcional em relação à estratégia da organização, ou seja, é a cultura que apoia o desenvolvimento da estratégia, e vice-versa. A escolha dos traços culturais ótimos é, em geral, o resultado de uma discussão de alto nível com as principais lideranças da organização tendo como premissa a sua estratégia. Cultura e estratégia precisam estar alinhadas.
3. Avaliar as diferenças em relação à cultura atual, priorizar os focos de atenção e criar um plano de ação.
Criar planos de ação factíveis pressupõe conhecer o ponto de partida, o tamanho da viagem e sua eventual dificuldade. Se o destino final de uma viagem é Londres, é fundamental saber se o ponto de partida é Paris ou Rio de Janeiro, senão qualquer planejamento fica mais difícil. Um bom diagnóstico da cultura atual é fundamental para a eficácia deste projeto. Neste estágio, geralmente a organização descobre vários traços de sua cultura que gostaria de alterar. Deve considerar que os recursos são limitados e que nem todas as mudanças trarão resultados significativos, e por isso, deve fazer escolhas por aquelas que serão as de maior impacto. Em termos de mudança de cultura, três já é um volume mais do que significativo para se fazer simultaneamente.
Exemplos desta escolha são: (maior) foco no cliente, foco em resultado, e meritocracia.
4. Divulgar intensamente.
Existem muitas formas de divulgar este trabalho, inclusive formulando uma nova declaração de valores, ou via capacitação da liderança, e, sem dúvida, nos materiais de integração de novos colaboradores, ou com textos dispostos na parede de entrada da empresa. Jack Welch(4), relata que, além das formas tradicionais de divulgação, “a GE distribuía cartões (com os valores) para serem mantidos nas carteiras e bolsas”. Outra forma importante de divulgar a cultura é através de símbolos: por exemplo, quando se quer divulgar a ideia de transparência e fluxo de informação uma forma é a adoção de espaços abertos, sem salas privativas, sem baias definidas. Apenas um grande “mesão” de trabalho onde qualquer um, de qualquer nível pode plugar seu computador e trabalhar, ficando gerente e analista lado a lado. Muitas empresas também consideram importante divulgar a sua declaração de valores para o mundo externo, por exemplo, no site da empresa, pois auxilia no alinhamento de fornecedores e na atração de novos colaboradores com o perfil adequado.
5. Alinhar os processos de trabalho à cultura desejada.
Não basta falar, é preciso ter políticas, processos e práticas de trabalho que estimulem e sustentem a cultura desejada. A Natura é reconhecida no mercado pela firmeza com que gerencia seus valores, entre eles a questão da sustentabilidade. Buscando revisar seus processos de trabalho além das fronteiras mais obvias, a Natura selecionou a empresa que iria fazer seu novo filme publicitário, entre outros critérios, em função da adesão de seu processo de produção de filmagem ao Valor Sustentabilidade, ou seja, a produção deveria deixar a menor pegada ecológica. Em outras palavras, o alinhamento dos valores da empresa estava indo muito além de sua própria produção industrial e impactando seus fornecedores. A 3M, empresa reconhecida mundialmente pela sua inovação, mantém uma política que todo colaborador pode dedicar 15% de seu tempo para projetos e pesquisa diferentes de sua atividade principal(5).
6. Ajustar as políticas e práticas de RH à cultura ótima.
A área de RH tem um papel fundamental na criação e propagação da cultura, pois gerencia ferramentas com impacto nesta área. Desde o processo de Seleção, que deve ser ajustado para trazer pessoal compatível e integrados com os valores da organização, passando pelo Programa de Gestão de Desempenho com a remuneração variável “conversando” com a estratégia da empresa, com o Programa de Desenvolvimento de Lideranças alinhado aos Valores e com Estilo Gerencial adequado à cultura pretendida, e com seu Programa de Comunicação sustentando o conjunto destas ações.
7. Capacitar a liderança para novos comportamentos.
A liderança da empresa é o principal fator disseminador da cultura e, portanto, da estratégia. Conhecer estes dois elementos do negócio em profundidade e saber reforça-los no dia a dia do trabalho, em linguagem simples e acessível a todos, é papel inalienável do líder. Não apenas através da comunicação oral, mas principalmente através de seu exemplo pessoal vivendo integralmente os valores da organização. É fundamental que todos os líderes da empresa sejam capacitados para assumirem este papel.
8. Reforçar os comportamentos desejados e desenfatizar os indesejados.
Jack Welch(6) afirma que “para que os valores realmente signifiquem alguma coisa, as empresas devem compensar as pessoas que os demonstram, e “punir” as que não os demonstram. Isto é muito importante”.
9. Monitorar o progresso, fazer os ajustes necessários, e começar de novo, em outro patamar.
Segundo Falconi(7) “somente aquilo que é medido é gerenciado. O que não é medido está à deriva”. Como qualquer outro projeto de mudança, de tempos em tempos é fundamental verificar o andamento e os resultados alcançados. Analisar acertos e erros, definir novas metas e prioridades e reiniciar o processo. Isto significa fazer uma pesquisa de cultura de tempos em tempos (recomendamos a cada dois anos). Vale destacar que pesquisa de clima e pesquisa de cultura são duas ferramentas diferentes que medem coisas diferentes.