Com muita fala e pouca ação, transformação digital é um tema quente na boca das empresas que precisam se reinventar para continuarem competitivas no mercado. Começando pela sua definição, o que é efetivamente a Transformação Digital dentro de empresas? Onde vive? Do que se alimenta? E, mais importante, como começar o processo na prática.
Transformação Digital é infinitamente mais sobre cultura, modelo organizacional e pessoas do que sobre digitalizar o seu negócio, aplicar scrum, métodos ágeis e usar Trello. É mais sobre criar um ambiente de total contexto estratégico, onde a tecnologia e automação são consequência e propulsores para que as pessoas possam focar em resolver e inovar gerando valor para seus clientes. É, também, sobre usar tecnologia para servir e conhecer mais direta e profundamente seus consumidores e para automatizar com escala e rapidez. É sobre trocar opiniões por dados na hora das tomadas de decisões. É sobre automatizar o que a máquina faz melhor que a gente pra que a gente possa focar em constantemente inovar e acompanhar a velocidade do mercado.
Transformação Digital é, primeiro, mudança de cultura.
Longe de mim querer ser guru no tema - até porque considero guru uma pessoa que fica dando conselhos e que se distancia da execução. Assim, vou compartilhar aqui como começamos a transformar o Telecine e como o método da abeLLha inCompany opera com os clientes que buscam essa transformação.
Este artigo foca na primeira parte da transformação digital: a mudança de cultura e modelo organizacional.
O nosso trabalho é focado, nesta ordem, no tripé:
Propósito
Contexto e Transparência Radical
Autonomia Alinhada
Propósito: deve estar extremamente clara a razão e visão a longo prazo do seu negócio. Todo mundo, de ponta a ponta dentro da empresa, deve saber exatamente porque o negócio existe de forma bem pragmática e para onde se deseja caminhar.
Contexto e Transparência Radical: A partir do Propósito claro, como tangibilizar? Como sei que estou dando os passos certos ou errados? OKRs (Objectives and Key Results), por exemplo, é uma metodologia ótima para a criação deste contexto estratégico pois ela define pilares que sustentam seu momento (os Objetivos) e conecta indicadores (KPIs, metas) a estes pilares, os KRs (Key Results, ou Resultados Chave). Só que não adianta só ter metas claras. Como, então, conectar com a execução do tático? É importante dar transparência no que rola a partir daí: projetos, sprints, tarefas recorrentes. Toda empresa é composta por propósito, pilares estratégicos, metas, projetos/sprints e as coisas que fazemos no dia-a-dia.
Autonomia Alinhada: com os dois pontos acima, valores bem definidos, acordos (regras da empresa), cerimônias (reuniões para maior alinhamento das equipes) fica quase que impossível não atuar com contexto do todo, possibilitando maior autonomia. Neste caso, a definição de valores é chave pois é importante, primeiro, a empresa querer que a tomada de decisão mude para as pontas.
Como acontece na prática?
Uma transformação completa ou parcial de uma empresa precisa começar, primeiro, com o buy-in de alguém do topo, idealmente o CEO. Parece ironia, um processo de horizontalização começar com uma decisão de cima, porém, ter poder de influência forte é essencial no processo, que é super imperfeito, cheio de incertezas e que leva tempo. A empresa precisa realmente querer.
Tudo começa com a criação de contexto e transparência de todos os componentes que qualquer empresa ou equipe possui: Propósito, pilares, metas, projetos, papel de cada um no dia.
Depois de visão e propósito alinhados, a gente usa o método OKRs (Objectives and Key Results - Objetivos e Resultados Chave) para organizar os pilares e as metas da empresa. No geral, para empresas maiores, recomendo a construção dos OKRs anualmente. Na hora de cascatear essas metas para as equipes (ou squads, pra quem tem equipes multi funcionais), aí sim é mais relevante fazer a construção por trimestre para trazer agilidade para a operação. Eu não recomendo levar OKRs para o nível individual e sim parar no nível equipe para manter o senso do todo e não focar somente no umbigo. É importante ter o coletivo de um time pensando no todo e em como inovar para constantemente entregar valor para o cliente final.
A construção das OKRs da equipes ou squads (equipes multi funcionais) é feita por eles mesmos e depois negociada com o resto da empresa (processo bottom-up, onde as equipes que propõe as suas próprias metas). Com as OKRs definidas e negociadas, é importante ter um direcionador tático de execução. Para isso montamos um roadmap - uma timeline de projetos estratégicos, sem entrar no detalhe. Isso ajuda a tangibilizar ações que tem o potencial de impactar as metas.
É vital, também, ter muita clareza na responsabilidade recorrente de cada um da equipe ou squad, assim como do ecossistema que apoia o modelo. No modelo de squads, onde a equipe é multi funcional, a linha de report é geralmente horizontal: cada membro da squad reporta horizontalmente para o seu capítulo (chapter). Por exemplo: desenvolvedores reportam para o chapter-lead de desenvolvimento. Os chapters tem a responsabilidade de dar apoio funcional e criar consistência entre squads quando necessário. Porém não são eles que decidem o que vai ser feito em cada squad ou equipe. O "como" é responsabilidade das squads ou equipes, sempre. A gente reconhece o papel dos chapter leads como liderança para servir as squads ou equipes (servant leadership).
Esse modelo é muito baseado no desenho inicial do Spotify (que criou o termo squads / chapters). No bomnegócio.com (que depois virou OLX) a gente operava da mesma maneira, chamando as equipes multi funcionais de startups internas e os capítulos de "nuvens".
O desafio está em operacionalizar o desenho
A parte mais fácil de iniciar essa transformação é o que citei acima. A dificuldade entra na virada de chave, em como operacionalizar o modelo e realmente promover a mudança. Vai levar tempo e esforço. Vai ter gente frustrada. Vão errar, bastante.
Um modelo como este nunca está perfeito. Ele é vivo e está em constante evolução, assim como o mercado. Um belo exercício pra gente que é treinado desde sempre a querer controlar as coisas ;)
As cerimônias são a melhor maneira de amarrar o processo
Cerimônias são momentos em que as equipes ou squads se reúnem para alinhamento, brainstorming e tomadas de decisões. A gente adota as seguintes cerimônias para deixar tudo bem amarradinho:
Equipes / Squads / Ecossistema
Daily: vem do scrum, uma reunião diária pra alinhar se tudo vai bem ou se existe algum blocker (alguém com algum impedimento para fazer suas tarefas). Dura somente 15 minutos.
Planning: as equipes/squads planejam no detalhe para a execução em 2 semanas. São os nossos sprints, blocos de entregas, que começam quinzenalmente e podem evoluir para entregas semanais.
Checkpoint: esse é o momento que a pessoa responsável por essa transformação senta com cada equipe/squad. Fazemos uma hora por semana com cada squad. Eu começo sempre olhando para o dashboard dos OKRs das equipes e as métricas principais. Qual foi a mudança nos números da última semana para a próxima? Se estamos bem em 3 de 4 metas, por exemplo, a execução da equipe deve estar focada na meta que vai mal. Fica super claro onde focar quando se verifica semanalmente as metas.
Negociação de OKRs: quando a squad ou equipe negocia as suas metas trimestrais, argumentando com lógica e números porque os pilares e metas escolhidas são as melhores para o momento estratégico atual.
Avaliação de OKRs: quando a squad avalia seu desempenho ao final de um dado trimestre, olhando para o que foi bem e gerou valor, o que não rolou bem, o que pode ser melhorado, etc
OKRs check: fazemos uma reunião com a empresa toda no meio do trimestre onde as squads ou equipes mostram o andamento de seus OKRs para o resto da empresa.
Lendo a dinâmica acima dá pra perceber que não é difícil enxergar se alguma equipe vai mal, está em risco ou precisa de apoio mais próximo. As cerimônias ajudam a manter total alinhamento das equipes com o todo.
Transparência Radical: a importância de valores e regras claras
Com propósito, pilares (o O do OKR), metas (KRs do OKR), papéis recorrentes e cerimônias bem estabelecidas a empresa começa a operar com muita transparência. O modelo deixa claro quem performa bem ou mal. O que fazer com essa informação tem de ser muito bem definido. Os valores e regras da empresa tem de estar claro para todos.
Recomendo não sair mudando isso de cara e sim trabalhar na transparência das regras e valores atuais da empresa.
Um mundo de softwares
O menos importante no começo do processo de transformação digital é a escolha de softwares. No fim do dia, da pra fazer tudo no Google Sheets / Excel se precisar. Vai a gosto do freguês mas cuidado para não ficar pirando em mil e uma ferramentas e esquecer que, no fim do dia, o importante é simplificar e focar na criação de contexto e transparência radical do todo.
Todo mundo dentro da empresa deve ter clareza do porque faz o que faz e sobre como as metas se interconectam para que a empresa possa chegar onde almeja.