É divertido e instigante viver numa era em que existem mais dúvidas do que certezas. Ao mesmo tempo que empreendedores acordam diariamente com a impressão de que inventaram o novo unicórnio na indústria mediatech, ainda há gente convivendo com dilemas jurássicos. Como fazer minha empresa prosperar no mundo digital? Como fazer minha marca pessoal se destacar nesse ambiente de tanta concorrência? Marcas pessoais ganharam a chance única de virar um canal de comunicação direta com o público. Empresas e produtos também. É a maior revolução dos últimos 12 milênios da História humana. E essa revolução só tem 25 anos.
Se Pelé tivesse Instagram nas décadas de 60 e 70, possivelmente teria se tornado um dos maiores milionários do esporte no seu tempo. Hoje, por exemplo, com mais de 180 milhões de seguidores no Instagram, Cristiano Ronaldo recebe uma fortuna com posts e stories patrocinados. E a audiência é tão relevante que, se abrisse um canal no Youtube e comprasse os direitos de exibição da Champions League, acabaria concorrendo com algumas das maiores emissoras de TV e grupos de mídia do mundo todo.
É muito louco pensar que o Cristiano Ronaldo, jogador de futebol, alvo da atenção do público, razão pela qual as emissoras pagam fortunas por direitos esportivos, pode ser ele mesmo veículo de exibição do campeonato mais importante do planeta. Neste caso, Cristiano seria simultaneamente uma das grandes estrelas do canal e também o seu dono. Uma espécie de Silvio Santos dos gramados. E outros como Messi e Neymar trabalhariam para ele, correndo no campo pra lá e pra cá. Afinal, com 30 milhões de euros, CR7 compraria os direitos da Champions para uma dezena de países emergentes e conseguiria ao menos o dobro em receitas de marcas anunciantes. Se o craque português, em vez de apenas postar fotos com relógio ou shampoo no Instagram, abrisse vários canais, em 10 idiomas diferentes, ganharia uma bela recompensa dos patrocinadores locais. Ele viraria um publisher relevante no Youtube. A questão é que Messi e Neymar podem fazer o mesmo e sair na frente, disputando direitos esportivos, já que ambos também estão na casa dos mais de 100 milhões de seguidores no Instagram. Ou seja, concorrência já existe para botar essa ideia em prática.
O mesmo acontece com marcas e produtos. A Coca-Cola, a Pepsi e o Guaraná Antarctica podem ser publishers no Youtube. Havaianas, Nike e Adidas também. Vivo, Claro, Oi e TIM idem. Seu tamanho no mercado publicitário e o recall espontâneo nos corações e mentes dos consumidores permitem isso. Vários segmentos que misturem serviços, produtos e lifestyle – setores de moda, beleza, automotivo, bancário etc. – têm esse enorme potencial. Mas o restaurante da esquina da sua casa, por melhor que seja, não deve ter um canal no Youtube. Vai jogar dinheiro no lixo. Deve ter Instagram, Facebook, ser atento a novas redes sociais que surjam, contratar influenciadores, fazer uma campanha assertiva de marketing digital, mas não deve investir dinheiro no Youtube. Se alguma empresa especializada sugerir o contrário ao dono do restaurante estará cometendo uma espécie de estelionato digital.
Mas por que a revolução dos últimos 25 anos deu essa grande oportunidade às marcas e segmentos citados acima? É simples. A jornada do consumidor, hoje em dia, virou um storytelling permanente. Da hora em que acordam até a hora de dormir, as pessoas registram seus hábitos ou estão ligadas nos hábitos de alguém. O tempo todo há gente conectada e gente produzindo conteúdo para deixar gente conectada. Isso faz a jornada do consumidor cada vez mais a jornada do cidadão comum; uma reprodução do seu dia. Não por acaso o social video virou a maior transformação da comunicação nesta década. E é por isso que as marcas ligadas ao nosso cotidiano precisam ter um canal de YouTube relevante. É lá que elas podem difundir seus conceitos de forma integrada às expectativas do público e reproduzir o lifestyle que consiga engajar bem mais do que a propaganda tradicional. É um movimento que permite ações de branded content absolutamente orgânicas, que não pareçam interferência na narrativa, e jamais se aproximem do jeitão do velho anúncio de 30 segundos.
Então pode-se afirmar que as grandes marcas estão fazendo bons canais de YouTube? Não. Na imensa maioria das vezes, elas ainda reproduzem a lógica equivocada de usar seus canais como um repositório de vídeos que nada mais são do que suas próprias campanhas de publicidade. Ou as entrevistas do diretor e do presidente da empresa. Isso é tão absurdo quanto seria a Globo tirar do ar toda a programação de conteúdo ficcional, jornalístico e esportivo e só passar a exibir comerciais ou pronunciamentos na sua programação. Em vez da novela, anúncio. Em vez do Jornal Nacional, anúncio. Em vez do futebol, o comunicado do presidente da empresa. Ora, aonde iria parar a relevância de um canal de comunicação cujos dois únicos conteúdos exibidos fossem o comercial e o institucional? No ralo, certo? No entanto, por mais óbvio que isso pareça, ainda é o que 99% das marcas fazem no Youtube. Poucas entenderam que podem se tornar canais relevantes de comunicação com o público, criando suas próprias emissoras.
A partir de cálculos que já fiz na minha empresa, usando os dados de mercado e métricas bem claras, há desperdícios assustadores de dinheiro. Por exemplo, o que algumas vezes é gasto de verba de impulsionamento em 1 (UM) vídeo de 30 segundos, postado em canais de grandes marcas, seria suficiente para produzir a grade mensal inteira do canal, com 3 vídeos semanais de 15 minutos cada – com personagens relevantes e histórias que podem ir da emoção à aventura, da comédia ao desafio, do reality ao show de auditório. Quase um Netflix particular da marca, com a vantagem de que o público não paga pelo acesso ao conteúdo. Mas, ao contrário disso, prefere-se ainda impulsionar um anúncio de 30 segundos com uma fortuna de dinheiro de mídia.
O certo, e quase óbvio, é que a estratégia ideal para marcas no Youtube é comprar mídia no Google, sim, mas principalmente conceber e produzir uma espetacular programação de conteúdo num canal próprio. Além disso, relacionar-se com os youtubers mais relevantes do seu segmento e com os mega youtubers pela capacidade que eles têm de gerar tráfego na plataforma. Por isso causa tanto espanto que as estratégias ainda sejam baseadas no impulsionamento contínuo de peças publicitárias. E o mais aterrador é que, usando essas estratégias equivocadas, as grandes marcas erram como o dono daquele restaurante da esquina da sua casa. Só que jogam no lixo 1.000 vezes mais dinheiro do que ele. A grande diferença é que o dono do restaurante abriu um canal de Youtube que não deveria ter sido aberto. Já as grandes marcas acertaram ao abrir seus canais de Youtube, mas usam do jeito errado.
Hoje, é possível notar que algumas marcas e agências perceberam a lacuna e começam a se movimentar. Pode ser um grande movimento transformador no universo audiovisual se for acompanhado de inteligência estratégica digital. E as marcas que primeiro ocuparem esse espaço de emissoras das próprias histórias dificilmente deixarão lugar para os concorrentes do seu segmento.