“Outro dia dei carona a um amigo quando ele comentou: ‘Penso em tantos problemas enquanto dirijo para o trabalho que só agora reparei naquele restaurante!’ É verdade, ficamos tão preocupados com a rotina que muito ao redor nos passa desapercebido. Infelizmente, preocupação é uma constante do mundo moderno.
Para evitar e resolver problemas, ativamos nosso pensamento com o objetivo de nos atualizar, aprender e criar soluções. É preciso concluir o curso de aperfeiçoamento, o mestrado, ser fluente em inglês, fazer MBA enquanto cuidamos da casa, dos filhos, dos compromissos e das finanças. Tudo e muito mais é necessário para não sermos abocanhados por um futuro incerto e hostil. Precisamos ser perfeitos para evitar o fracasso que pode parecer inevitável. Isto me faz pensar em quantas vezes meu amigo preocupado cruzou o mesmo caminho sem reparar nas mudanças e novidades interessantes.
O mundo hoje nos treina para assumir o controle. Corremos atrás dos problemas como o cavalo corre atrás da cenoura. Pressão e perfeccionismo são palavras de ordem. Sentimo-nos responsáveis por tudo e por todos. Mas, nesta ânsia em evitar o fracasso, corremos o risco de sermos vencidos por ele.
Você sabia que a depressão é o mal deste novo século? Com suas variações, como a síndrome do pânico, a depressão é a ‘doença’ da modernidade.
Quais são as causas principais da depressão? A resposta é ansiedade e falta de sentido. Por que perdemos o sentido e nos tornamos ansiosos? Porque nos tornamos responsáveis demais, nos preocupamos em excesso e nos tornamos perfeccionistas. É claro que viver é também resolver problemas, mas a maioria das pessoas é tão focada em problemas que esquece de viver.
Não estou dizendo que se preparar para o futuro, estudar, se dedicar e trabalhar bastante seja ruim. Não é nada disso. Previno apenas para o excesso de estudo, de trabalho e de preocupação. Na fantasia de assumir o controle sobre a vida, a perdemos. Ao apertar o barro com as mãos, ele escapa entre os dedos.
Lembre-se: somos responsáveis pela vida sim, mas apenas por parte dela. É impossível controlar todos os aspectos. Podemos fazer apenas a nossa parte. Podemos fazê-la muito bem feita, mas podemos fazer apenas a nossa parte. Você pode escolher o modelo do seu guarda-chuva, mas não tem controle sobre quando irá chover.
Você deve sim estar muito bem preparado, mas nunca saberá quando surgirá uma grande oportunidade. É necessário assumir que muitas coisas importantes da vida acontecem ‘ao acaso’. Parte da vida é o resultado direto de suas ações, mas a outra parte não. A vida também acontece por serendipidade.
Serendipidade é o que acontece com você enquanto está fazendo outra coisa. Vou dar um exemplo: você decide lavar o carro, mas percebe que a cera acabou. Você vai ao supermercado, escolhe uma lata de cera e, quando chega ao caixa, reencontra seu ex-chefe e ele te propõe o melhor negócio da sua vida! Serendipidade é isto: você sai para comprar cera e encontra o melhor negócio da sua vida.
Mas existe um pré-requisito para haver serendipidade: ação. Sem ação, não há serendipidade. Ir ao supermercado comprar cera não é garantia de encontrar o melhor negócio da sua vida. Mas, se você não sair de casa, é certo que nada acontecerá!
Não estou dizendo que você tem a obrigação de sair de casa para estimular a serendipidade. Você precisa apenas fluir ... através da vida. Inclusive em momentos de lazer pode haver serendipidade. Conheço pessoas que arrumaram um bom emprego após uma conversa no clube, na praça, no avião.
Você não sai de férias com o objetivo de encontrar uma boa idéia mas, ao conhecer uma culinária diferente, pode decidir abrir um restaurante exótico. Como dizia John Lennon: ‘A vida é o que acontece com você enquanto está ocupado e fazendo outros planos’ - enquanto você pensa em fazer uma coisa, acontece outra.
Ninguém acorda de manhã e decide conhecer seu parceiro ideal. Você vai fazer outra coisa (ir ao clube) e acaba conhecendo a pessoa que se tornará sua companhia perfeita.
Um dos problemas do indivíduo estressado é que se preocupa com um volume tão grande de responsabilidades que não percebe o que acontece ao seu lado. Como diz o ditado: ‘quem trabalha muito não tem tempo para ganhar dinheiro’. Você fica tão preocupado em se ocupar que não aproveita as oportunidades! Capim é o que não sobra, mas o cavalo só enxerga a cenoura!
Ser estressado tornou-se lugar-comum. Você encontra o vizinho no banco, ele pergunta: ‘como estão as coisas?’. Ai de você se responder ‘estou ótimo, bem de saúde, meu casamento está maravilhoso, a vida tranqüila, consigo até guardar dinheiro!’ Ao invés de ficar satisfeito com sua felicidade, ele vai te achar esnobe e convencido. Afinal, para muitos, o normal é viver uma vida dura e repleta de dificuldades. No fundo, a maioria das pessoas espera como resposta: ‘como estou? Na luta, na correria!’
Hoje em dia ‘estar na correria’ é moda. Mas as conseqüências aparecem no consultório: ansiedade, falta de tempo, decepção no trabalho, falta de dinheiro, insatisfação. Ken Wilber, filósofo americano, explica que na verdade acabamos por substituir o presente pelo futuro: ‘Queremos encontrar a nós mesmos no futuro. Não queremos apenas o agora - queremos um outro agora, e outro e outro ainda, amanhã, amanhã, amanhã. Assim, paradoxalmente, nosso presente empobrecido é passageiro exatamente porque exigimos que ele termine! Queremos que termine para poder assim passar para um outro momento, um momento futuro, que por sua vez só existirá para passar.”
Precisamos sim resolver os problemas, mas precisamos, acima de tudo, viver! Costumo dizer a meus clientes que a melhor maneira de levar a vida a sério é não levando ela tão a sério assim.
Dedique-se, mas relaxe. Lide com o bom estresse, mas reserve momentos para a recuperação. Seja responsável mas invista também em seu lazer. Chegue ao trabalho pontualmente mas reserve algumas horas da semana para passear, caminhar, nadar e, como conseqüência – praticar serendipidade! Assim, talvez você encontre a pessoa ideal ou a melhor oportunidade da sua vida!”