Estamos enfrentando mais uma crise econômica mundial. Esse fenômeno é tido por muitos estudiosos como natural e cíclico em um sistema econômico. É possível citar alguns exemplos, como a Crise das Tulipas (Holanda, 1637), a 1ª grande quebra de bancos (EUA, 1819), the long depression (Europa e EUA, 1873), a quebra de Wall Street (EUA, 1929), a crise do petróleo (países árabes, 1973), a bolha da Internet (EUA, 2000) e a crise imobiliária (EUA, 2008). E se fizermos uma análise mais sincera e humana da atual cultura econômica?
O resultado, provavelmente, seria um diagnóstico conclusivo de que o atual sistema não condiz com os novos tempos. A satisfação pessoal, hoje, é objeto central das tarefas realizadas por qualquer indivíduo. Já se começa a repensar a validade das relações de trabalho permeadas pela competição. Se quer, muito além disso, amizade, companheirismo, espírito de comunidade. A ubiquidade da informação dá armas eficientes ao povo para que ele possa exigir transparência de empresas e governos, e a demanda por essa clareza é crescente. O tempo agora é o do empoderamento social, mais do que nunca, as regras do mercado são estabelecidas pelas pessoas e não mais pelas marcas. Estamos entrando em uma nova era da economia colaborativa.
De “nova”, a economia colaborativa não tem tanto assim. A cooperação está, há muito tempo, no DNA das pessoas, nas pequenas comunidades, cidades e empresas. A novidade é a escala, e o alcance dessa nova perspectiva. A Internet 2.0 é grande propulsora desse novo modelo na figura de plataformas como o Facebook, o YouTube e o Twitter, que armazenam e disponibilizam, mas não produzem conteúdo. Todos os textos, vídeos e imagens são apenas organizados de forma acessível por essas plataformas, mas, na verdade, são gerados pelos usuários. O elevado poder de transformação social dessas infraestruturas digitais, que chegaram ao ponto de contribuir efetivamente na demoção de ditadores de suas próprias soberanias, como aconteceu na Primavera Árabe, é incontestável. Com isso em mente, é possível entender a abundância dos meios de produção e geração de conteúdo e a nova economia de informação em rede. Fica claro, aqui, o conceito de poder social.
Smartphones equipados com câmera e acesso à internet são capazes de gerar ou vazar notícias e informações que podem abalar a credibilidade de governos e megacorporações em segundos, a custo de, praticamente, nada. E as pessoas mudaram muito mais rápido que as empresas. A revolução que está por vir atingirá empresas tradicionais que mantêm a cultura de hierarquia, governança centralizada e remuneração desproporcional dos trabalhadores. Existem pessoas que são remuneradas 50 ou 100 vezes mais do que outras. É possível uma sociedade com menos problemas sociais a partir desse contexto?
As pessoas trabalham por ganhos materiais, mas também por satisfação pessoal e bem-estar. Qual é o sentido das empresas que visam gerar enorme ganho material para seus executivos, gerentes e demais funcionários se o bem-estar acaba negligenciado? Esse erro está na cultura das empresas, no modelo de negócio de visão egocêntrica. A nova economia colaborativa traz uma mudança disruptiva ao estabelecer um sistema ecocêntrico, em que o objetivo é gerar valor compartilhado para o todo o ecossistema.
Desse padrão, podemos ver emergir novos tipos de negócios que têm a palavra colaboração como base: produção colaborativa, financiamento colaborativo, consumo colaborativo e negócios em rede. Todos esses modelos carregam o espírito da colaboração no nome e na lógica de funcionamento.
Novos negócios baseados na cultura da economia colaborativa surgem a partir da observação e adaptação de necessidades e serviços que usamos diariamente, como o compartilhamento de carros, bicicletas, ferramentas, livros e até casas. Access is better than ownership “O acesso a um bem é melhor do que a propriedade”, diz a célebre frase de Rachel Botsman em seu livro escrito em 2011 intitulado: O que é meu é seu – Como o consumo colaborativo vai mudar o mundo. Hoje em dia já é possível encontrar exemplos de consumo colaborativo em segmentos tradicionais como o case da Tecnisa que começa a oferecer em seus mais novos empreendimentos uma oficina com diversas ferramentas para uso residencial que podem ser compartilhados entre os condôminos mediante o uso de um aplicativo online.
Outro exemplo prático dessa economia colaborativa é a plataforma Nos.vc, um sistema de aprendizagem colaborativa que possibilita a oferta de cursos criativos e inspiradores. Esses workshops vão desde a preparação de pães orgânicos para preguiçosos até workshops de design thinking. Todos esses cursos são criados e divulgados pelos próprios usuários da plataforma e são destinados a outros usuários. As aulas só viram realidade se o número mínimo de participantes estipulado pelo criador do curso tenha sido atingido. Este é um típico sistema de produção Peer-to-Peer (entre pares), ou seja, feito por muitos para muitos (N ↔ N). O sistema perpetuado há tantos anos é justamente o oposto: uma única instituição de ensino é responsável pelo conhecimento distribuído para todos (1 → N).
O maior representante de empoderamento das comunidades da economia criativa é o Catarse, maior plataforma de financiamento colaborativo (crowdfunding) de projetos criativos do Brasil. Através dela, pessoas podem buscar financiamento para seus projetos de forma colaborativa diretamente com outras pessoas, sem intermediários. Novamente, a fórmula é N ↔ N. O viés de prototipagem e teste de mercado neste caso é um fator muito importante. Quem propõe um projeto numa estrutura como o Catarse consegue saber se a oferta tem real valor para a sociedade e, de quebra, leva o dinheiro necessário para viabilizar o protótipo ou o projeto como um todo. Em muitos casos, os apoiadores (que doam seu dinheiro) acabam participando do projeto e co-criando soluções em conjunto com os realizadores. Tudo isso acontece diretamente em uma plataforma que, assim como o Nos.vc, foi desenvolvida com o conceito de cultura colaborativa através da tecnologia de software livre.
Cabe a cada um dar o primeiro passo em direção a uma cultura em que empresas e pessoas possam colaborar cada vez mais e umas com as outras, iniciando uma relação de interdependência, cuidado e reciprocidade. Esse novo padrão de interação colaborativo demanda a formação de novos tipos de lideranças que funcionem em uma lógica mais dinâmica e baseada na participação. Só assim será possível formar empresas com propósito, que sejam válidas e que gerem real valor para a sociedade como um todo.