Desde o início da profusão do conceito do tripé econômico, ambiental e social, que me pergunto como algo sistêmico se consolida em apenas três dimensões. A ética, à guisa de exemplo, é considerado no pé social. Mas ela perpassa tudo. Dado que tudo perpassa tudo, não haveria de ser criar dimensões e, ainda mais, três. Isso só para falar da ética, mas o mesmo se aplica a todo e qualquer outro tema.
Mas o fato é que está aí, incorporou-se ao vocabulário e tudo agora virou três. Não é só uma questão do léxico da sustentabilidade, mas como, a partir desse conceito, a realidade se formatou: há os profissionais que pertencem à esfera econômica, à esfera ambiental e, quem não é de nenhuma dessas duas, é social ou nada.
Tal representação é fácil de ser observada na sociedade: existem as organizações ambientalistas, as organizações sociais e as empresas (as organizações econômicas). O governo é o que ? Tudo. As empresas, quando buscam entrar no campo da sustentabilidade, repetem o modelo da divisão: criam áreas de meio-ambiente e as áreas sociais (pois em tese, todas as demais áreas são econômicas). Daí uma nova questão: a área de Recursos Humanos não é social ? A área de vendas de uma empresa de plano de saúde também não é social ? Enfim, coisas que essa maluquice de segregar, separar, provocou...
Enquanto continuarmos a falar em três, a dividir o sistêmico, pouco vamos andar nessa longa caminhada. E daí a chamada do post: um tripé de um pé e meio. O pé econômico dispensa comentários sobre sua evolução no tempo. Não se pode negar os avanços na área ambiental, em praticamente todos os segmentos: energia, agricultura de consumo, atividades florestais, resíduos, reciclagem e por aí afora. É certo que se tem muito o que avançar, mas é notório o progresso nesse tema que é técnico por definição. Esse é, portanto, o meio pé que está se firmando. Todavia, não podemos dizer o mesmo na área social, o pé que existe na intenção mas está longe ainda de se fazer valer em muitas áreas que supostamente endereça.
O pé social, nessa segregação que aí está, trata de temas como diversidade, direitos humanos, etnias diversas e outros. Minha área de atuação nesse tema sempre esteve ligada à inclusão (socioeconômica, para usar o léxico vigente).
Minhas primeiras incursões na tentativa de tratar o sistêmico como sistêmico foi um projeto de cidade sustentável, no Vale do Jequitinhonha, Araçuaí(MG). O projeto teve como plataforma a organização CPCD (Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento) e foi financiado inicialmente pela Fundação Avina junto a diversas organizações da sociedade civil. Eu os auxiliava a pensar o sistêmico, a fundir os métodos multidimensionais. A experiência se transformou em programa, foi posteriormente apoiado pela Petrobras e virou matéria do Globo Rural. A experiência que trago desse processo foi que funcionou em parte, pois com o passar do tempo diversas organizações que participaram em seu início o foram deixando por dificuldades internas entre as entidades, principalmente quando se envolve recursos financeiros. Novos parceiros entraram com o tempo e o projeto continua na plataforma original, tendo trazido resultados muito interessantes da integração que persistem até hoje.
Posteriormente, participei da revisão dos programas de investimentos socioambientais da Petrobras, em 2013. Nesse projeto, nosso papel foi avaliar os resultados dos últimos 5 anos de investimentos da empresa, em torno de R$2,5bi, para estruturar o novo Programa. Como pano de fundo, a Petrobras queria romper com a separação do tripé, incentivando as organizações proponentes a apresentarem projetos que tratassem de temas de forma integrada. O projeto com a Petrobras foi concluído, dando origem ao atual formato do Programa Petrobras Socioambiental. O que trago dessa experiência foi a impossibilidade de se mensurar os resultados dos investimentos passados pela total falta de indicadores sociais e ambientais que, além de não integrados, não nos permitiam ter um marco zero que pudesse, posteriormente, ser avaliado.
Além dessas duas experiências que, para mim, foram marcantes, vivi nos últimos 10 anos dentro do mundo corporativo tentando levar adiante as estratégias de sustentabilidade. E após mais de 15 projetos onde pudemos discutir os negócios à luz da interdisciplinaridade, o que abstraio dessa vivência: a empresa é o reflexo de uma sociedade fragmentada, decorrente de uma educação por especialidades funcionais não sistêmicas. Se formam engenheiros sem base social, sociólogos sem base econômica, economistas e administradores sem base ambiental e social. Enfim, nossa fragmentação ocorre desde muito cedo e daí a dificuldade em criar uma visão sistêmica com adultos formados que têm conta para pagar, medo de perder o emprego e acionistas que não os cobram dessa integração, pois a maioria desses últimos também não a entendem ou lhe dão valor.
No atual conceito, a “perna” que tem ainda muito por andar é – sem dúvida – a social. Vivemos os pêndulos históricos em que essa perna se projeta, e depois retrocede. Revolução Francesa, Revolução Russa, Socialismo e sua derrocada, e, mais recentemente, aqui no Brasil a perspectiva social vem sendo massacrada pelos meritocratas que querem impor, a qualquer custo, uma análise de ROI no investimento social.
Nada contra medir avanços, pelo contrário. Sem mensurá-los, jamais saberemos se os recursos/esforços estão caminhando na direção correta. Mas não é possível se pensar nas evoluções sociais em tempos menores que “gerações”. Do que tenho vivido mais recentemente com esses projetos voltados a melhorar as condições de vida das pessoas, os "investidores" (nome que não concordo, pois quem investe quer retorno, mas tudo bem) querem saber o resultado de seus “investimentos” em poucos anos, normalmente após 4 ou 5 anos, quando não menos.
A evolução social, podendo se utilizar de uma metáfora, é o subir de uma longa escada. Estamos nós, os 2% mais privilegiados da sociedade, em um dos últimos degraus dessa jornada. Passamos por uma formação consistente, temos condições econômicas comparativamente mais favoráveis que os demais, abaixo de nós nela. E nos esquecemos, ou sequer sabemos, do quão difícil é fazer o que fazemos sem ter passado pelos degraus anteriores.
As críticas que muitos fazem sobre o quão inócuos são os investimentos na área social, principalmente no campo da inclusão produtiva induzem, como resposta, a criação de um modelo de análise de retorno incompatível com o tempo necessário para se visualizar qualquer nesga de transformação verdadeira. Os investimentos nesse campo demandam décadas para serem corretamente avaliados, pois há que se dar a oportunidade dos indivíduos percorrem estágios evolutivos não necessariamente lineares, mas certamente demorados.
Em resumo, se queremos de fato que as transformações ocorram, há que se deixar de lado as divisões ternárias que utilizamos, integrando todas as dimensões necessárias. Há também que se considerar que tudo o que envolve gente (sejam as gentes que investem, sejam as gentes beneficiárias desse investimento) necessariamente toma tempo, não ocorre em saltos, mas em etapas e envolve, acima de tudo, educação sistêmica e consciente.
Pelo visto, e a tomar pelo andar da nossa carruagem não só no Brasil, mas no mundo todo, a jornada será muito longa para esse tripé virar um base de sustentação, integrada e transformadora.
Mas isso não nos deve desanimar, pelo contrário. Temos muito trabalho pela frente.