Um dos assuntos que mais vem despertando interesse é o fenômeno da transformação digital. Muito falado, mas pouco compreendido. A rápida evolução tecnológica está transformando indústrias e criando concorrências inesperadas. Recentemente, em um evento em Berlim, o presidente do Google, Eric Schmidt foi muito feliz em afirmar “alguém, em algum lugar, em uma garagem está mirando nossa empresa neste momento. Eu sei bem disso, porque há não muito tempo nós mesmos estávamos em uma garagem. A mudança vem de onde você menos espera”.
Estamos vendo isso acontecer por todos os lados, embora talvez não prestemos a atenção necessária. Muitas vezes olhamos casos como Airbnb e Uber como curiosidades e não como sinais claros de mudanças nos modelos econômicos e de negócios a que estamos acostumados.
As mudanças parecem ocorrer aqui e ali, mas com um simples olhar para 20 anos atrás vemos como a Internet e a revolução tecnológica mudaram o cenário de negócios. Amazon, eBay, Google, Facebook, iPhone, iPad e assim por diante, para citarmos alguns poucos exemplos. Nossos hábitos mudaram. Não compramos mais passagens em agências e nem vamos aos bancos. Fazemos isso por smartphones. O impacto da internet e da rápida interação gerou e está gerando uma mudança comportamental significante. Segundo estudo do Facebook, um indivíduo online está separado de qualquer outro, de qualquer lugar do mundo por quatro contatos em comum, dois a menos que antes da web.
À medida que a internet e a tecnologia se disseminam pela sociedade, elas mudam dramaticamente o contexto estratégico: altera a estrutura da competição, a maneira de fazer negócios e elimina fronteiras entre setores de indústria antes distintos. Desagrega cadeias de valor estabelecidas e cria outras, movidas por novos entrantes que jogam outro jogo. Escalam mais rapidamente e a menor custo que as empresas existentes, criando um cenário competitivo inteiramente desconhecido.
Uma sociedade cada vez mais digital traz em seu bojo um novo patamar de preços e margens. Um exemplo é a própria indústria de tecnologia, que está fazendo com que grandes e renomadas empresas estejam passando por momentos de crise quando seus tradicionais modelos de negócio, baseados em licenças de software e vendas de hardware, de altas margens, são corroídos pelo modelo de computação em nuvem e uma nova precificação nos softwares imposta pelas apps dos smartphones e tablets.
Competidores surgem de onde menos se espera. Muito provavelmente a indústria hoteleira não havia prestado atenção ao Airbnb quando ele foi criado em agosto de 2008. O carro autônomo do Google pode ainda não ser visto como uma ameaça a indústria de seguros de automóveis, e a possibilidade de se colocar sensores em objetos permite transformar uma indústria de vendas de equipamentos em prestadora de serviços de locação e manutenção estes mesmos equipamentos. O iBeacon da Apple pode ser uma ameaça ou oportunidade, dependendo da nossa visão quanto à tecnologia.
Na prática, o software está substituindo muitas das atividades efetuadas manualmente, permitindo mais agilidade e velocidade. O texto de Marc Andreessen, “Why software is eating the world”, de 2011, explica com clareza. Isto não significa que todas as empresas serão empresas que venderão software e tecnologia, mas devem pensar de forma digital.
Um bom exemplo é a Amazon, que se diz uma empresa de tecnologia porque o pensamento digital é o seu modelo mental. Na verdade, existem mais funcionários da Amazon trabalhando em seus centros de distribuição e atendimento ao cliente do que profissionais de computação. É um estudo de caso bem interessante, “When Toyota met e-commerce: Lean at Amazon”.
Outra mudança de concepção que a transformação digital impõe é a conscientização que os modelos de negócio deixam de ser estáticos. Modelos que existem há dezenas de anos estão sob risco de serem transformados e mesmo os recém criados, já na economia digital, também correm o risco de serem substituídos. A digitalização não é uma jornada one-stop, mas uma (r)evolução contínua. Um exemplo é a indústria da música que passou dos CDs para mp3 e modelos de download de música com os iPods e agora já está se transformando no modelo de streaming de áudio.
As mudanças no pensamento estratégico e na visão de TI serão decisivas para o futuro de todas as empresas. É necessário pensar digital, rever as capacitações da equipe técnica e dos gestores e, principalmente, rever o posicionamento e papel da área de TI. Ela – voltada à eficiência operacional, como se encontra na maioria das empresas – pouco poderá contribuir para esta transformação. Seus processos e modelos de pensamento estão arraigados a um pensar analógico, onde TI é um elemento de suporte e apoio, automatizadora de processos, visando redução de custos.
Quantas empresas estão realmente explorando o potencial de novas opções tecnológicas como a mobilidade, big data e cloud computing? Quantas estão transformando os processos de TI para serem mais ágeis e flexíveis, adotando modelos de desenvolvimento baseados em entrega contínua? Aos que ainda reagem a mudanças nos processos tradicionais de desenvolvimento e entrega de softwares, mantendo práticas e processos burocráticos que limitam a conexão entre o desenvolvimento e produção, organizados em setores isolados e estanques, recomendo a leitura deste texto.
Enfim, estratégia digital não é uma simples transformação do marketing em marketing digital. É uma transformação da empresa como um todo, e como tal deve ser liderada pelo CEO com forte apoio de todos os executivos, principalmente do elemento chave que é o CIO. Ele, passando a assumir o papel de Chief Digital Officer tem ou deveria ter, condições de conduzir este processo.
A tecnologia está afetando todos os setores da economia, seja finanças, varejo, transporte, agricultura, logística. As ondas tecnológicas tão comentadas e apresentadas em inúmeros eventos nos anos anteriores, mas ainda incipientes no seu uso como big data, mobilidade e cloud computing, alavancadas pela Internet das Coisas, vão permitir que a empresa se transforme. Ou, se forem lentas, serão transformadas a força, pelo novo cenário ou pela concorrência inesperada. Esta, decididamente, não será a melhor opção!