Arthur é um criativo de uma agência de publicidade que no seu dia a dia de trabalho desempenha a função de arte finalista, pois sabe desenhar muito bem. Certo dia, foi convidado à auxiliar a redatora em uma nova campanha e suas ideais foram geniais. Começou a escrever uma vez ou outra com a redatora, além de cumprir com suas tarefas rotineiras. A redatora foi demitida e ele acumulou seu cargo, afinal “você é muito versátil” e “escrever e desenhar são ambas atividades criativas”, disse o dono da agência.
Em outra ocasião, Arthur foi apresentar uma sugestão de campanha para um novo cliente juntamente com a responsável pelo atendimento, sua apresentação foi tão convincente que rendeu a conta para a agência. Com o tempo, ele passou a atender esse cliente e a responsável pelo atendimento acabou sendo demitida. Agora ele atende, escreve, cria e até participa das reuniões da equipe de planejamento, aliás já está auxiliando também o responsável pelo planejamento sem ganhar nada à mais por isso, simplesmente porque “Arthur é muito versátil”, segundo o dono da agência.
Você já viu esse filme antes? Pessoas versáteis acumulando funções sem serem devidamente valorizadas? Resolvi escrever esta pequena história inicial utilizando o nome fictício Arthur utilizado pelo personagem do filme “Coringa” estrelado por Joaquin Phoenix, para ilustrar um fato muito comum nos ambientes corporativos: a controvérsia sobre a devida compreensão da versatilidade profissional, que é uma capacidade valorizada mas quando distorcida ou negligenciada pela liderança, como na história inicial, pode ocasionar o acúmulo de funções.
Desempenhar multitarefas ou ser multidisciplinar é bom?
Coringa, no baralho, é uma carta que em alguns tipos de jogos, acaba mudando seu valor dependendo da combinação de cartas que o jogador possua em suas mãos, isso quer dizer que esta carta substitui todas as demais, porém escolher utilizá-la pode significar a sorte ou o azar, a vitória ou a derrota no jogo.
Em algumas atividades humanas como o futebol, por exemplo, é comum também utilizar-se do termo “coringa” para designar o jogador que possua uma capacidade de assumir várias funções estratégicas em campo, talvez por possuir habilidades diferenciadas dos demais ou, simplesmente, por adaptar-se facilmente às outras funções.
Da mesma forma, este termo tem sido utilizado nos ambientes empresariais, pois um “coringa corporativo” é aquele que aparentemente faz tudo, sabe tudo, se encaixa em tudo, mas eis a questão: acumular funções, desempenhar multitarefas ou ser multidisciplinar, afinal, este 'malabarismo corporativo' é bom ou ruim para um profissional nas empresas?
É preciso valorizar a versatilidade profissional
É importante, no atual cenário corporativo, saber valorizar o funcionário que adapta-se facilmente às situações, pois uma vez ou outra desempenhar outras tarefas ou funções que não sejam do seu escopo de trabalho mostra que este profissional possui “versatilidade profissional”, competência muito apreciada na era pela liderança na era da indústria 4.0.
Em algumas ocasiões, fatores como a imprevisibilidade nos ambientes de trabalhos podem ser determinantes para impulsionar a carreira destes profissionais versáteis que sabem como se aproveitar das oportunidades e desafios que surgem no ambiente profissional para tirar o máximo proveito da situação.
Um exemplo disso é uma situação de “downsizing organizacional”, muito comum hoje em dia em momentos de crise, onde são achatadas funções e processos na tentativa de potencializar atividades de uma empresa, visando geração de novas oportunidades.
Um profissional que possua versatilidade profissional poderá aproveitar-se das situações imprevisíveis geradas em momentos de crise para reinventar-se no ambiente de trabalho, adaptando-se rapidamente ao momento da readequação administrativa e procurando gerar soluções práticas para construir novas possibilidades, mas cabe aqui reforçar que situações de adaptação precisam ser momentâneas e não permanentes no ambiente de trabalho
É preciso tomar cuidado com o acúmulo de funções
Ser versátil não significa ter competência plena para exercer eficazmente outras atividades, significa adaptar-se rapidamente às situações ou exigências do mercado, gerando soluções que promovam a inovação, contudo, infelizmente nem todos os profissionais possuem esse tipo de versatilidade.
Em épocas de demissão, principalmente pelo advento da indústria 4.0, onde a tecnologia está substituindo a atividade humana em alguns setores, aqueles que se mantém empregados podem acabar assumindo, algumas vezes, responsabilidades que não são inerentes do seu cargo, transformando-se em verdadeiros “coringas corporativos”.
Esta prática de negligenciar ou até permitir que funcionários exerçam outras atividades que não estejam atreladas ao seu escopo contratual de trabalho pode causar o estresse e, consequentemente, a diminuição da qualidade de vida no trabalho, devido à sobrecarga dos serviços que normalmente vem acompanhadas de prazos cada vez mais curtos e de metas cada vez mais ousadas, caracterizando o “acúmulo de funções”.
A falsa versatilidade profissional
O “coringa corporativo”, portanto, é um “falso versátil”, ele acumula tarefas e funções que não estão no seu escopo de trabalho, vive no seu dia a dia um verdadeiro “malabarismo corporativo” em seu ambiente profissional para conseguir manter-se empregado e isso não tem nada a ver com “versatilidade profissional”.
Enfim, o “coringa corporativo” jamais deveria existir, pois a ficção pode transformar-se em realidade no ambiente corporativo, ou seja, permitir que um profissional exerça várias atividades que caracterizam de forma negativa uma evidente situação de acúmulo de funções é jogar com o azar e perder o jogo, pois pode acarretar à empresa ações trabalhistas.
Contudo, empresas que souberem identificar, conduzir e valorizar a versatilidade profissional no ambiente de trabalho estarão jogando com a carta da sorte e do sucesso, pois profissionais versáteis possuem uma alta capacidade de tolerar o estresse e sabem como administrar situações que exijam resiliência em momentos de crise.
Conclusão
O “coringa corporativo” acaba acumulando funções porque, basicamente, tem medo de perder seu emprego, o que caracteriza acomodação e não adaptação. Já o “profissional versátil” vence seu medo estando aberto para novos desafios e oportunidades, pois ser versátil não significa apenas melhorar o que se faz, mas sim ser capaz de fazer algo que nunca se fez antes, isso conduz à inovação.