No seu primeiro discurso sobre o Estado da União, em 1961, o jovem presidente norte-americano John Kennedy disse que a conquista do espaço não deveria se transformar em uma nova fronteira da Guerra Fria (“The cold reach of the universe must not become the arena of a even colder war”). Repetindo o que já dissera em seu discurso de posse, Kennedy advogou pela cooperação entre o Leste e o Oeste na conquista do espaço. “Vamos invocar as maravilhas da ciência ao invés de seus terrores. Vamos explorar o espaço juntos”.
Num quadro de disputa acirrada com a União Soviética (URSS) desde o fim da Segunda Guerra Mundial – os anos da Guerra Fria, que se prolongaram até a queda do império soviético em 1989 com a queda do Muro de Berlim –, os Estados Unidos da América (EUA) estavam sob o impacto do lançamento do primeiro satélite espacial soviético da URSS, em 1957 e, logo em seguida, do vôo orbital da cadela Laika. A administração anterior, republicana, do general Dwight Eisenhower, não dava maior importância às iniciativas soviéticas, e o programa espacial americano era conduzido lentamente.
Desde a campanha eleitoral, Kennedy, candidato pelo Partido Democrata, criticava a inércia do governo americano nessa questão. Como relata Ted Sorensen, seu assessor especial, na biografia que escreveu sobre sobre Kennedy, o jovem presidente tinha a noção de que, no momento em que os EUA e a URSS estavam disputando as simpatias de todos os países do mundo por um ou outro sistema político e social, o triunfo soviético no espaço era contraproducente para os norte-americanos.
O quadro se tornou mais dramático quando a URSS promoveu o vôo orbital de Yuri Gagarin, o primeiro homem a ir ao espaço, obscurecendo o curto percurso sub-orbital de John Glenn, o primeiro norte-americano colocado no espaço. Alguns dias antes, a invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, realizada por mercenários e inimigos do regime de Fidel Castro, com apoio da CIA, fracassara redondamente. E antes do fiasco da invasão, um U-2, avião de espionagem da força aérea norte-americana, havia sido derrubado ao sobrevoar o território soviético. Era demais para as pretensões norte-americanas de liderar o mundo contra a expansão soviética.
A ida de um homem à Lua, num esforço conjunto dos dois países, chegou a ser conversada no primeiro encontro de cúpula entre Kennedy e Nikita Kruschev, realizado em Viena no início de junho de 1961. Kruschev, sucessor de Stalin – a quem denunciou como promotor de um sem número de perseguições e crimes políticos enquanto estava no poder –, era um líder bem humorado, até certo ponto histriônico, que visitara os Estados Unidos em 1959. Encontrara-se com artistas de Holywood e durante uma visita a uma feira de utilidades domésticas prometera que, em breve, a URSS bateria os EUA também na produção daqueles equipamentos.
Certa vez, em reunião na ONU, Kruschev protestou contra um discurso dando socos continuamente em sua mesa, acompanhado pela delegação de seu país. Há uma versão, não comprovada, de que ele bateu na mesa com seus sapatos. No encontro em Viena, Kennedy, consciente das desvantagens dos Estados Unidos na corrida especial, repetiu a proposta de missão conjunta dos dois países para colocar um homem na lua. “Ok, por que não?” respondeu Kruschev, que não demonstrou muito entusiasmo pela proposta. E o assunto morreu por aí.
A corrida pela bomba atômica está na raiz do lançamento do pioneiro Sputnik pela União Soviética. A bomba construída pelos soviéticos, em reação ao domínio do artefato pelos EUA, lançado em 1945 sobre Hiroshima e Nagasaki, era bem mais pesada que a similar norte-americana. Para eventualmente lançá-la foi desenvolvido, sob o comando do cientista Sergei Korolev, o R-7 Semyorka, o primeiro míssil balístico intercontinental do mundo, nunca utilizado belicamente, mas com potência suficiente para alcançar o espaço sideral. Foi uma variante desse foguete, o R-7A que empurrou o Sputnik para seu vôo orbital. O lançamento do Sputnik, além de ser um notável feito científico, também embutia uma velada ameaça militar, que se reforçou com a realização dos vôos seguintes, da cadela Laika e do astronauta Yuri Gagarin.
A premente necessidade de superar essa frágil e desvantajosa situação levou o presidente Kennedy a fixar, em maio de 1961, o desembarque de um norte-americano na Lua, antes que aquela década terminasse, como objetivo estratégico inescapável para os Estados Unidos. Ressalte-se que em setembro deste mesmo ano, a URSS ergueu o Muro de Berlim, crispando a rivalidade entre os dois países e a Guerra Fria. Em outubro de 1962, eclodiu a crise dos mísseis, em função da instalação, pelos soviéticos, de bases de lançamento em Cuba, a 90 quilômetros da costa dos EUA. Ao fim e ao cabo, depois de várias missões preparatórias, descendo da Apolo 11, Neal Armstrong foi o primeiro homem a pisar na Lua, em julho de 1969. Desembarques semelhantes ocorreram nos anos seguintes, enquanto os soviéticos se satisfizeram em lá pousar apenas uma nave sem tripulação.
Já nos anos 1970, a ideia de promover projetos conjuntos prosperou, e o interesse se concentrou na utilização de estações espaciais, que permitem a permanência de astronautas por longos períodos na órbita da terra, realizando experiências científicas. A URSS lançou a primeira, a Salyut-1, que ganhou o espaço em abril de 1971. Quatro anos depois, os dois países lançaram o projeto Apollo-Soyuz e, no começo da década de 1980, os EUA lançaram o ônibus espacial Columbia, o primeiro veículo espacial reutilizável da história.
Após o fim da União Soviética, EUA e Rússia se unem no programa Shuttle-Mir, que promove operações conjuntas entre o ônibus espacial americano e a estação espacial multimodular russa, a Mir. Um novo passo, desta vez incorporando mais países, foi dado em novembro de 1998, com o lançamento do primeiro módulo da Estação Espacial Internacional. A iniciativa somou Rússia, EUA, Japão, Canadá e países europeus e continua ativa. Atualmente, as atividades espaciais miram alvos bem mais longínquos como Marte, Júpiter para onde periodicamente são enviadas sondas exploratórias em busca de informações sobre a composição do Universo. E a China também se engajou nas pesquisas espaciais.
Nesse meio tempo, apesar de todas as operações conjuntas reunindo vários países, as motivações militares por trás de toda essa aventura deram novos sinais de vida.
O governo do presidente republicano Ronald Reagan, na década de 1980, lançou o projeto Guerra nas Estrelas, um sistema complexo e sofisticado de estações terrestres articuladas com satélites destinado a barrar qualquer ataque militar aos EUA. Há quem diga que esse programa apressou o fim da União Soviética em função do peso dos investimentos realizados por Moscou para enfrentá-lo, mas é mais provável que o colapso tenha sido consequência do acúmulo de dificuldades e contradições da economia do bloco soviético.
Já nesta era Trump, além de anunciar o objetivo de voltar à Lua e o envio de um homem a Marte, o governo norte-americano anunciou a criação até 2020, dependendo de aprovação do Congresso, do sexto ramo das Forças Armadas do país, a Força Espacial dos EUA. “Chegou o momento de escrever o próximo grande capítulo da história de nossas forças armadas, de se preparar para o próximo campo de batalha, para onde serão convocados os melhores e os mais corajosos americanos para dissuadir e vencer uma nova geração de ameaças ao nosso povo, à nossa nação”, disse o vice-presidente Mike Pence em um discurso no Pentágono em agosto do ano passado.
Para o presidente Donald Trump, a presença norte-americana no espaço não é suficiente. “Precisamos ter um domínio dos EUA no espaço”, afirmou na mesma época. “Nosso destino além da Terra não é apenas uma questão de identidade nacional, mas uma questão de segurança nacional”. Nos anos 1960, o presidente John Kennedy tinha, pelo menos, uma retórica mais nobre, com tinturas pacifistas, pois os traumas da Segunda Guerra Mundial ainda estavam muito presentes.
Uma comparação é inescapável.
A União Soviética não foi bem sucedida na construção do socialismo, muito menos do comunismo, em suas fronteiras . Mas sua existência foi essencial para impulsionar as conquistas sociais e dos trabalhadores no mundo, incentivar revoluções, promover reformas, enfim, sacudir as estruturas econômicas, em maior ou menor grau, dos países capitalistas e atrasados de norte a sul, de leste a oeste. Pode-se fazer raciocínio semelhante em relação à corrida espacial entre a URSS e os EUA. O pioneirismo soviético surpreendeu os Estados Unidos de calças curtas na exploração do espaço e disparou o foguete que levou Neil Armstrong à Lua.