Uso de maquiagens e cosméticos expõe a adultização precoce das crianças - Jornal da USP


Uso de maquiagens e cosméticos expõe a adultização precoce das crianças - Jornal da USP

Com o crescimento das redes sociais, é cada vez mais comum ver crianças compartilhando e consumindo conteúdos voltados para o uso de maquiagem, cuidados pessoais e skincare. Nos Estados Unidos, o fenômeno é tão comum que há relatos nos quais o público infantil frequenta diariamente lojas de cosméticos e abusa do uso de produtos de beleza destinados aos adultos. A professora Luciana Caetano, do Instituto de Psicologia (IP) da USP, analisa os fatores que estão influenciando nesse processo de adultização precoce das crianças ao redor do mundo e discorre sobre práticas que podem evitar esse comportamento.

Segundo a especialista, o primeiro fator que explica esse fenômeno é a retirada do direito das crianças de serem crianças, uma vez que elas estão gradualmente se preocupando com tópicos que não condizem com o mundo infantil e fazem parte do cotidiano dos adultos, como a preocupação com a beleza e aparência, por exemplo. Ela reforça que as crianças precisam dos adultos para poderem vivenciar todos os aspectos de uma infância saudável, entre os quais estão a prática da leitura, da construção de amizades e das brincadeiras, principalmente ao ar livre.

O segundo fator informado pela docente é a ampla presença de estratégias de marketing e publicidade veiculadas para o público infantil, o qual ainda não tem o desenvolvimento de uma habilidade de controle inibitório para tomar as decisões mais acertadas. Ela conta que o mercado voltado para as crianças é muito rico e gera bastante lucro, por isso, elas são bombardeadas por propagandas desse nicho e, por muitas vezes, acabam sendo influenciadas pelo que é oferecido.

De acordo com Luciana, o terceiro fator é responsável por agrupar os dois primeiros e consiste nas relações parentais. “Os adultos precisam ser responsáveis para que as crianças possam retomar o conceito de infância, construir valores adequados e vivenciar um ambiente saudável, em que não estejam submetidas a estímulos inadequados, como o uso de celulares, de telas e do acesso constante aos canais dos influenciadores e às mídias sociais”, diz.

Consequências

Para a professora, o processo de adultização precoce das crianças não é novidade e ocorre há bastante tempo, como no mercado da moda, por exemplo, em que é comum observar o público infantil utilizando roupas feitas para os adultos. Ela conta que a televisão também contribui negativamente para esse fenômeno, como nos casos de antigos programas infantis com apelo erótico ou nas emissoras por assinatura que veiculam programação 24 horas por dia, mesmo nos dias atuais.

Conforme a especialista, quando uma criança não vivencia adequadamente os processos de desenvolvimento saudável da infância, os riscos para seu futuro são enormes e podem envolver inclusive adoecimentos mentais. Ela destaca os altos índices de pessoas sofrendo com quadros de ansiedade e depressão e reforça que esses problemas podem ser decorrentes de procedimentos inadequados durante a tenra idade.

“Outra consequência bastante explícita desse processo diz respeito também ao desinteresse das crianças pela escola, pela literatura, pela construção de conhecimento e pela ciência. Isso também gera preocupações excessivas com valores que não são os ideais de serem construídos pelas crianças, essa valorização excessiva da aparência impede a construção de outros valores tão importantes para a humanidade”, aponta.

Sinais

De acordo com Luciana Caetano, os indicativos de que uma criança está apresentando sinais desse processo de adultização podem ser observados pelos pais ou professores no cotidiano. Um dos indícios mais comuns, segundo ela, ocorre quando a criança deixa de fazer e se interessar por atividades ao ar livre para permanecer longos períodos diante de telas de celulares, computadores ou televisão. Ela reforça que esse comportamento pode ser adquirido e reproduzido pela criança quando observa que seus pais têm as mesmas atitudes.

“Os pais precisam estar mais envolvidos com as crianças no sentido de ter tempo para fazer as refeições juntos, de caminhar junto no parque, tem uma série de atividades mais interessantes para serem realizadas juntamente com os filhos. Além disso, a escola poderia ajudar na parte de orientação familiar e também restringindo o uso dos aparelhos celulares no ambiente educacional”, conta.

Riscos dermatológicos

Paula Yume, graduada pela Faculdade de Medicina (FM) da USP e médica voluntária em cirurgia dermatológica no Hospital das Clínicas (HC), explica que, do ponto de vista dermatológico, os riscos que o uso de maquiagem de adultos podem causar na pele infantil são preocupantes. Ela afirma que a pele de uma criança não é totalmente madura e, por ser mais fina, tem dificuldade de fazer sua função natural de hidratação, reter água e proteger contra agressores externos, por isso, alguns produtos que entram em contato com esse tecido têm maior potencial de causar alergias e dermatites.

Além disso, a médica esclarece que os cosméticos em geral possuem algumas substâncias que são potencialmente irritantes para os adultos, portanto podem causar impactos ainda mais graves na pele infantil. Ela indica que alguns desses produtos podem conter a presença de algumas fragrâncias, corantes, preservativos e metais, como traços de mercúrio, chumbo e derivados de borracha, por exemplo.

“Então, além de tentar sempre usar maquiagens que sejam adequadas para a idade da criança, que sejam hipoalergênicas, não-comedogênicas, de procedência confiável e aprovadas pelas agências reguladoras, também é importante que, na hora da remoção, sejam utilizados removedores para pele sensíveis, os quais não vão agredir a pele da criança, que já é mais delicada”, afirma.

Skincare

De acordo com a especialista, a prática de utilizar produtos para cuidados com a pele, chamada de skincare, com cosméticos de adultos, é dispensável para o público infantil, mas alguns outros produtos são essenciais para o desenvolvimento saudável da pele da criança. Ela afirma que a pele de uma pessoa jovem é rica em colágeno e fibras elásticas e a perda dessas substâncias só acontece quando a pessoa se aproxima dos trinta anos de idade.

“Isso que é visto nas redes sociais de crianças usando cosméticos para adultos e cremes anti-idade não são necessários e não vão prevenir o envelhecimento no futuro, porque ele é causado por fatores naturais, como a exposição à radiação ultravioleta, por exemplo. Portanto, uma rotina de cuidados para a pele de uma criança envolve basicamente lavar o rosto com um sabonete para pele sensível adequado para crianças, o uso de um creme hidratante e de protetor solar. Mas é importante reforçar também que algumas crianças que possuem uma condição de pele atípica precisam utilizar produtos específicos”, pontua.

Artigo por: Jornal da USP




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