Por volta da década de 70 surge a internet da forma que conhecemos hoje, no Vale do Silício. Robert Taylor que trabalhava para a Xerox Parc na época (segundo o livro “Dealers of Lightning”, de Michael Hiltzik) não imaginava que seria a construção mais anárquica realizada pelo ser humano.
Automaticamente, pensamos nas inúmeras possibilidades de conexões, nas infindáveis redes não vistas, mas com resultados espetaculares. Costumo dizer que hoje existe mais cuidado com a ética e o caráter do que há 40 ou 50 anos. Todavia, a honestidade era inerente às relações, como exemplo as famosas compras pelas “cadernetas” e os negócios celebrados no “fio do bigode”. O que estava combinado não se voltava atrás.
Na década de 40, não existia o fenômeno da rapidez da comunicação. As notícias de nosso próprio país levavam meses para chegar. As informações ocorridas na Europa chegavam de navio ou até mesmo de avião, e demoravam para se propagar.
Alguém cometia um crime na Europa, fugia para a América do Sul e ficava incógnito. Vivia sua vida pacata e tranquila, sem ser molestado. Josef Mengele, o conhecido Anjo da Morte do 3º Reich, morreu em Bertioga, em 07 de fevereiro de 1979, no litoral de São Paulo, sem que ninguém soubesse quem era.
Hoje com a velocidade da internet, se eu cometesse um crime em São Paulo e fugisse para a Ilha de Páscoa (um dos três lugares mais longe de qualquer outra terra acima d’água), com certeza já estaria repatriado no Brasil em poucos dias, e com um belo processo nas costas.
Quando pensamos que a internet iria melhorar as nossas relações e interações – por um lado melhorou, tornando-nos mais “Éticos” – ocorreu o impensável: teclamos em nossos smartphones para conversar com quem está do lado e automaticamente, ficamos “ensimesmados”. Sentimos orgulho quando mencionamos para alguém que temos 10.000 amigos no Facebook, mas quando nosso carro quebra em algum local ermo de nosso país, não podemos lançar mão desses “valiosos amigos”. Já observaram os casais nas mesas dos restaurantes?
Temos um número infindável de dígitos de velocidade em nossas conexões wifi, e estamos perdendo a conexão do que nos torna humanos. Somos avestruzes, com a cabeça no celular.
Creio que quando nos portamos desta forma a humanidade que existe em nós fica relegada a segundo plano, fazendo com que nos transformemos em seres “mais ou menos” e deixando de sermos inteiros.
Segundo Zygmunt Bauman (1925) sociólogo e escritor polonês autor de Modernidade Liquida (Ed. Zahar) e Amor Liquido (Ed. Zahar), é fácil desligar uma amizade no Facebook ou em qualquer rede social, pois não temos mais o concreto (o humano) na frente. Em torno de 4 a 5 cliques rompemos uma amizade, discordamos sem profundidade de critério, com alguém que pensa diferente de nós. Essa pessoa estará condenada a ser desligada/excluída pelo usuário da conta sem o benefício do debate.
Fico pensando, se a mesma pessoa detentora do poder de eliminar alguém de seu círculo de “amizades” empunhando um mouse, iria ter a mesma atitude caso ficasse frente a frente com o (futuro) ex-amigo.
Temos um oceano de informação com um milímetro de profundidade.
Na mitologia grega (tema que aprecio), existe um conceito que pode ser aplicado nos tempos atuais. A palavra hybris (em grego ὕϐρις, “hýbris”) traz uma ideia de descomedimento, egocentrismo, arrogância, desequilíbrio.
Estamos no dia a dia, carregando nossa presunção de que sabemos tudo e se não soubermos sofreremos vergonha, somos menos. Temos a receita pronta, mesmo sem saber qual o prato principal.
Acredito que precisamos do oposto, do comedimento, moderação, sanidade moral, discernimento, lucidez que é traduzido pelo conceito grego denominado Sophrosyne: (do grego σωφροσύνη) estado de espírito são, prudência. A partir daí, menciono Confiança (“Con” – junto; todo e “Fides” – fé).
Dois computadores não podem ter confiança um no outro.
Somente o Humano tem condições de ter confiança, que é o azeite da conexão humana.
Somente o Humano tem capacidade de investigar a miséria do outro e devolver a pedra preciosa que existe dentro dele.
Somente o Humano tem a capacidade de “olhar para o outro” e realmente “ver”, isto é, enxergar o seu melhor.
Na cultura Yanomani existe uma crença que uma entidade superior é a responsável de segurar o céu e assim cuidar de “toda” a humanidade. A tribo canta e dança para que este Ser Maior tenha força e não perca a motivação.
No meio artístico (especificamente música), local em que transito desde meus 12 anos de idade, percebo que a confiança é algo imprescindível.
No movimento musical “Play for Change” podemos ver jovens cantores de um coral, católicos e protestantes irlandeses reunidos executando uma obra belíssima. Sabe-se que na Irlanda uma grande parte do povo são de uma destas vertentes religiosas e, historicamente, existe terrorismo com atentados gravíssimos.
Em 15 de agosto de 1998, por exemplo, ocorreu um atentado que deixou mortes e centenas de feridos. Logo após a barbárie, um maestro munido de sua ferramenta, a música, conseguiu aproximar jovens tão diferentes com crenças religiosas distintas, com o objetivo de promover a tolerância.
Acredito (e dou crédito) neste tipo de atitude e resultado. A humanidade se desenvolveu gregária (vivemos em bando) e dependente (o único filhote, que não tem possibilidade de sobreviver sozinho).
Confiança, tão necessária para a humanidade.